Contratos antigos travam mercado de gás e elevam preços, aponta análise.

Contratos antigos travam mercado de gás e elevam preços, aponta análise.

Contratos Legados Distorcem Tarifas e Travam Mercado de Gás

O mercado de gás natural no Brasil enfrenta um dilema persistente: a coexistência de um potencial inegável com entraves regulatórios que impedem seu pleno desenvolvimento. Há dois anos, neste mesmo espaço, abordamos a urgência de revisitar a estrutura tarifária do transporte de gás natural, um debate que, infelizmente, permanece inconcluso. A tão esperada "revolução" no setor, impulsionada pela nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021), esbarra em obstáculos que precisam ser urgentemente removidos para que o mercado possa, de fato, florescer.

A morosidade na atuação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), agravada por limitações orçamentárias e de pessoal, tem contribuído para a estagnação do setor. A falta de avanços em questões cruciais, como a desconcentração do mercado e a revisão tarifária do transporte, perpetua um cenário de incertezas e impede que os benefícios da nova legislação alcancem os consumidores e as empresas. É como se tivéssemos um carro de Fórmula 1 preso em um engarrafamento, incapaz de demonstrar todo o seu potencial.

O Peso da Infraestrutura no Custo do Gás Natural

Um dos principais gargalos do mercado de gás natural no Brasil reside no elevado custo do produto, que se posiciona entre os mais altos do mundo. Embora a atenção recaia frequentemente sobre o preço da molécula em si, a infraestrutura de escoamento, processamento, transporte e distribuição representa uma parcela significativa desse custo, estimada em mais de 60% do valor final pago pelo consumidor. Este cenário onera a competitividade da indústria nacional e limita o acesso ao gás natural como fonte de energia mais limpa e eficiente.

O segmento de transporte, em particular, emerge como um ponto crítico. As tarifas praticadas atualmente permanecem atreladas a contratos legados firmados entre a Petrobras e as transportadoras, acordos que remontam ao período da alienação de ativos da estatal. Essa herança do passado impõe um fardo pesado sobre o mercado, distorcendo a formação de preços e dificultando a entrada de novos players. É como se estivéssemos dirigindo em uma estrada moderna com pedágios que refletem custos de uma época давно passada.

A Natureza Jurídica Questionável dos Contratos Legados

A validade da cobrança das tarifas estabelecidas nos contratos legados aos demais usuários do sistema é um ponto central da discussão. Afinal, os valores pactuados entre a Petrobras e as transportadoras representam um acordo privado, sem a chancela do agente regulador. Impor esses valores como tarifa a todos os usuários, cujo acesso à infraestrutura é garantido por lei, configura uma prática questionável e potencialmente ilegal.

A analogia aqui seria a de um condomínio onde um acordo individual entre dois moradores fosse imposto a todos os demais, sem a aprovação da assembleia. Tal situação geraria, inevitavelmente, insatisfação e questionamentos sobre a legitimidade da cobrança. Da mesma forma, a imposição das tarifas dos contratos legados aos demais usuários do sistema de gás natural cria um ambiente de insegurança jurídica e distorce a lógica do mercado.

Desvinculação da Tarifa de Transporte dos Acordos Privados

Uma solução para essa distorção seria a desvinculação da tarifa de transporte dos valores financeiros estabelecidos nos contratos legados. Nesse modelo, os carregadores (usuários do sistema) pagariam o valor justo e regulado pela ANP, enquanto a Petrobras arcaria com a eventual diferença para complementar o montante acordado com as transportadoras. Essa medida garantiria a transparência na formação de preços e promoveria uma concorrência mais justa no mercado.

Imagine um cenário em que um cliente de uma loja negocia um desconto especial com o gerente. Esse desconto, no entanto, não deve ser repassado aos demais clientes, que têm o direito de pagar o preço justo e tabelado. Da mesma forma, os termos dos contratos legados, negociados entre a Petrobras e as transportadoras, não devem influenciar as tarifas cobradas dos demais usuários do sistema de gás natural.

Revisão Integral das Tarifas e o Papel da ANP

Com o vencimento de parte dos contratos legados ao final deste ano, surge a oportunidade crucial de realizar uma revisão integral das tarifas ou, em uma abordagem mais precisa, de analisar e aprovar uma tarifa para as transportadoras, desvinculada dos valores que vêm sendo cobrados até então. Esse processo de aprovação tarifária, conduzido pela ANP, poderá inclusive constatar que o valor da tarifa é inferior ao pactuado pela Petrobras com as transportadoras, o que implicaria na obrigação de devolução dos valores cobrados a maior dos demais usuários nos processos pretéritos de cessão de capacidade.

É como se estivéssemos recalibrando um instrumento de medição que vinha apresentando resultados imprecisos. A revisão tarifária, conduzida pela ANP, permitirá ajustar os valores cobrados aos custos reais e eficientes do transporte de gás natural, garantindo a justiça e a transparência no mercado.

Receita Máxima Permitida vs. Receita Máxima Garantida

A ANP tem a responsabilidade de conduzir uma revisão abrangente, com base nos princípios da Receita Máxima Permitida (RMP), conforme estabelecido pela Lei do Gás. É fundamental lembrar que a RMP deve ser calculada a partir de custos operacionais eficientes e uma base de ativos regulatória devidamente auditada, e não pode ser confundida com uma espécie de "Receita Máxima Garantida", como as transportadoras parecem entender, considerando os valores dos contratos legados como se fossem decorrentes de tarifas reguladas e aprovadas pela ANP.

Imagine um restaurante que calcula seus preços com base em seus custos reais e eficientes, buscando oferecer um preço justo aos clientes. Esse restaurante não pode simplesmente garantir uma margem de lucro fixa, independentemente de seus custos, pois isso distorceria o mercado e prejudicaria os consumidores. Da mesma forma, as tarifas de transporte de gás natural devem refletir os custos reais e eficientes das transportadoras, e não garantir uma receita fixa com base em acordos privados.

O Perigo do "Pass-Through" dos Custos de Transporte

Um exemplo recente dessa distorção é a tentativa de incluir o modelo de "pass-through" dos custos de transporte no Leilão de Reserva de Capacidade na modalidade potência 2025 (LRCAP). Na prática, essa medida retira o transporte da competição tarifária e onera injustificadamente o consumidor final de energia. Trata-se de uma manobra que distorce o mérito técnico das propostas e subverte o objetivo de eficiência alocativa do leilão, que é a contratação de energia pelo menor preço.

É como se, em uma competição de corrida, um dos competidores tivesse o direito de repassar seus custos de treinamento aos demais participantes. Essa vantagem indevida distorceria a competição e prejudicaria os demais atletas. Da mesma forma, a inclusão do "pass-through" dos custos de transporte no LRCAP cria uma distorção no mercado de energia, beneficiando as transportadoras em detrimento dos consumidores.

Incentivos Perversos e o Travamento da Concorrência

A perpetuação de margens elevadas por parte das transportadoras, muitas vezes operando ativos depreciados com baixo reinvestimento, indica um descompasso entre a lógica regulatória e os incentivos reais. Esse tipo de medida é juridicamente questionável e pode gerar insegurança ao novo mercado de gás, que busca romper com a lógica do monopólio estatal e da criação de mecanismos que levam a distorções e benefícios indevidos.

É como se estivéssemos premiando uma empresa por manter seus equipamentos antigos e ineficientes, em vez de incentivá-la a investir em tecnologia e inovação. Essa prática desestimula a eficiência, trava a concorrência e aumenta as tarifas para o consumidor final.

A Integração Gás-Energia e a Necessidade de Regras Claras

A integração entre os setores de gás e energia é bem-vinda, desde que ocorra com base em incentivos alinhados, regras claras e risco proporcionalmente alocado. O que as transportadoras estão propondo, indevidamente, na tentativa de repassar custos herdados do modelo anterior, é uma espécie de "refinanciamento compulsório" do passado ou, vendo sob outro ângulo, perpetuar as receitas pactuadas por tempo limitado com a Petrobras, só que com ônus para o mercado, que não participou daquela negociação.

Imagine dois amigos que decidem abrir um negócio juntos. Para que a parceria seja bem-sucedida, é fundamental que os dois tenham incentivos alinhados, regras claras e dividam os riscos proporcionalmente. Da mesma forma, a integração entre os setores de gás e energia deve ser baseada em princípios de justiça e transparência, garantindo que os benefícios sejam compartilhados por todos os participantes do mercado.

Futuras Perspectivas

O futuro do mercado de gás natural no Brasil depende da superação dos obstáculos impostos pelos contratos legados e da implementação de uma regulação mais eficiente e transparente. A revisão tarifária, a ser conduzida pela ANP, representa uma oportunidade crucial para destravar o potencial do setor e garantir o acesso a uma fonte de energia mais limpa e competitiva para a indústria e os consumidores brasileiros. A não concretização dessas medidas perpetuará um cenário de incertezas e impedirá que o Brasil aproveite plenamente as vantagens de um mercado de gás natural dinâmico e eficiente.




Última atualização em 16 de junho de 2025

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