Agro gaúcho no limite: em dificuldades, produtores do RS pedem solução para conter endividamento de R$ 70 bi
O setor agropecuário do Rio Grande do Sul enfrenta uma crise financeira sem precedentes, com uma dívida acumulada que já ultrapassa R$ 72,8 bilhões. Os produtores rurais do estado sofrem com os efeitos combinados de enchentes consecutivas entre 2023 e 2024, além das perdas sucessivas de safra ao longo dos últimos anos, que abalaram profundamente a capacidade produtiva e de geração de renda. Diante deste cenário, representantes do agro gaúcho intensificam a busca por soluções urgentes para esta situação que ameaça a sustentabilidade da atividade rural na região.
Enquanto o governo estadual e as entidades do setor pressionam por medidas efetivas, o governo federal encara desafios para encontrar espaço orçamentário para apoiar a retomada do segmento. A securitização das dívidas rurais ganhou destaque como a principal proposta dos produtores, embora não seja consensual entre os gestores públicos e econômicos da União.
Contexto do endividamento e impacto das perdas climáticas
O Rio Grande do Sul acumula perdas que ultrapassam R$ 106 bilhões nas últimas temporadas agrícolas, um impacto que vai muito além do efeito das enchentes recentes. A quebra da safra da soja em 2024, por exemplo, foi de 17,4%, equivalendo a um prejuízo de R$ 13,5 bilhões. Estes números refletem não apenas eventos climáticos adversos, mas também anos seguidos de produção abaixo do esperado, com reflexos diretos sobre a capacidade financeira dos agricultores para honrar suas dívidas.
Dentre as dívidas totais de R$ 72,8 bilhões, R$ 27,7 bilhões têm vencimento previsto para este ano, concentrando um volume expressivo que pressiona bancos e produtores. Uma parte significativa desse montante, da ordem de R$ 22,2 bilhões, já foi renegociada, contudo ainda restam mais de R$ 50 bilhões que continuam pendentes, aumentando os riscos de insolvência no setor.
Medidas paliativas e limitações das ações federais
Em reação às fortes manifestações do setor rural, que chegaram inclusive a bloqueios de estradas no estado, o governo federal anunciou uma prorrogação nos prazos de pagamento de financiamentos rurais vinculados ao Plano Safra. Nas operações de custeio do Pronamp, a extensão do prazo foi de até três anos; para investimentos, a ampliação foi de 12 meses, enquanto o Pronaf já permitia renegociações prévias.
No entanto, essa medida foi recebida como insuficiente pelos líderes do agro gaúcho, pois limita-se a 8% das carteiras dos bancos e exige uma avaliação rígida da capacidade de pagamento por parte das instituições financeiras. O custo estimado para os cofres públicos pode alcançar R$ 385 milhões ao longo do período, o que gera dificuldade de acomodação no orçamento federal, já fortemente contigenciado.
Propostas estruturais e o debate sobre a securitização das dívidas
A principal reivindicação do setor produtivo é a securitização das dívidas rurais, uma proposta que prevê transformar os débitos em títulos lastreados pelo Tesouro Nacional, com potencial de até R$ 60 bilhões. Esse mecanismo permitiria alongar os prazos de pagamento para até 20 anos, com carência de três anos e taxas de juros diferenciadas conforme o perfil do produtor.
O projeto de lei, apresentado pelo senador Luiz Carlos Heinze, também propõe linhas de crédito especiais para recuperação de solos e investimentos em irrigação, facilitando a recuperação produtiva e atratividade financeira de médio e longo prazo. Embora seja apoiado pela Federação da Agricultura do RS (Farsul) e outras entidades, a securitização ainda enfrenta resistência do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que questiona sua adequação à realidade do estado.
Alternativa emergencial: uso do Fundo Social do Pré-Sal
Diante da dificuldade de viabilizar a securitização rapidamente, a Farsul tem defendido uma alternativa emergencial baseada na utilização de recursos do Fundo Social do Pré-Sal. Este fundo, financiado pelos royalties da exploração de petróleo e gás, poderia disponibilizar cerca de R$ 15 bilhões neste ano para mitigar o problema de liquidez dos produtores gaúchos.
A vantagem dessa proposta é a agilidade na implementação por meio de medida provisória, além de não representar um custo direto para o orçamento público, já que os recursos do Fundo não fazem parte do orçamento do Tesouro Nacional e não exigem equalização de juros. A iniciativa prevê que o Banco do Brasil faça o repasse dos recursos aos produtores, com juros em torno de 8,5% ao ano, equivalentes à taxa Selic de longo prazo.
Engajamento do governo estadual e apoio a medidas emergenciais
O governo do Rio Grande do Sul apoia a mobilização do setor agropecuário e as demandas por ações emergenciais. O governador Eduardo Leite destacou em evento recente o impacto devastador dos eventos climáticos sobre a agricultura local, equivalendo a perdas que correspondem a 60% do PIB gaúcho em seis anos. Tal crise é única e desproporcional se comparada a outras regiões do país.
Como resposta prática, o Banrisul, banco público gaúcho, anunciou suspensão da negativação e protesto das dívidas rurais por 90 dias, iniciando em 24 de junho, buscando dar fôlego extra aos produtores e preservar a carteira de crédito rural, que chegou a R$ 13,7 bilhões em 2024. Além disso, entidades como a Farsul, Famurs e outras enviaram carta aberta ao governo federal solicitando medidas como ampliação dos limites do Proagro, criação de linhas emergenciais de crédito e aceleração dos pagamentos em atraso.
Futuras Perspectivas para o Agro Gaúcho
A situação do agronegócio no Rio Grande do Sul permanece crítica, exigindo ações rápidas e coordenadas entre governo estadual, federal e o setor produtivo. Enquanto propostas estruturais, como a securitização, tramitam no Congresso, o uso do Fundo Social do Pré-Sal desponta como uma possibilidade mais imediata para aliviar a pressão das dívidas. A coordenação de medidas emergenciais, somada a investimentos em recuperação produtiva, será fundamental para garantir a sustentabilidade do agro gaúcho.
Mais do que enfrentar o presente, o desafio está em construir uma base financeira e produtiva que resista a futuras adversidades climáticas e econômicas. O engajamento conjunto e o diálogo aberto devem continuar para encontrar o equilíbrio entre o apoio necessário aos produtores e a responsabilidade fiscal e orçamentária dos entes públicos, garantindo que o campo continue produtivo e competitivo nos próximos anos.
Última atualização em 20 de junho de 2025