Negociações sob pressão: leis contra a moratória da soja avançam. Quais são os impactos?







Tradings sob pressão: leis contra a moratória da soja avançam. Quais seus impactos?

Tradings sob pressão: leis contra a moratória da soja avançam. Quais seus impactos?

O eterno debate entre desmatamento legal e ilegal nas propriedades rurais do Brasil se traduz agora em consequências reais para quem produz, vende e exporta soja no País.

Há quase duas décadas, as principais tradings internacionais, que controlam cerca de 95% do mercado de exportação de soja, adotaram a chamada “moratória da soja” como um pilar de suas estratégias para comprovar que compram matéria-prima de origem sustentável.

O acordo foi iniciado em 2006, reunindo entidades que representam exportadores como Abiove e Anec, além de ONGs, como o Greenpeace, estabelecendo que as companhias signatárias não poderiam adquirir a soja de fazendas com lavouras em áreas de desmatamento após 22 de julho de 2008 no bioma Amazônia.

As regras, a partir dali, passaram a valer para gigantes como ADM, Bunge, Cargil, Amaggi, entre outras.

De um lado, entidades representativas da indústria defendem que a moratória prioriza o uso de terras já abertas, sem impedir o desenvolvimento da sojicultura brasileira.

Do outro lado, produtores rurais no bioma Amazônia nunca se convenceram destas justificativas. Para eles, o acordo das tradings impede o desenvolvimento econômico dos municípios da região e se sobrepõe à soberania do Código Florestal brasileiro, aprovado em 2012.

Conforme a legislação, os produtores rurais do bioma devem preservar 80% da área de suas propriedades como reserva legal, permitindo expansão agrícola em 20% da área. Quer dizer, nestes 20%, ainda é possível desmatar de forma legal.

Não é de hoje que há um descontentamento dos produtores em relação à moratória, porém, diferentemente de anos anteriores, a mobilização este ano está ganhando força, tanto em nível federal quanto estadual.

Nos estados, as ações para mitigar os efeitos da Moratória têm sido construídas através de projetos de lei que cortam incentivos fiscais ou suspendem concessões de áreas públicas às empresas que fazem parte do acordo.

O maior produtor de soja do Brasil, Mato Grosso, faz parte do movimento.

A Assembleia Legislativa do estado, chegou a colocar na pauta da última semana o PL 2256/2023, de autoria do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), que mira a revogação das vantagens tributárias para as empresas de soja alinhadas com a moratória. Por falta de quórum, a votação foi adiada. A expectativa é de que volte a pauta na próxima quarta-feira ou no início de setembro.

A reação dos estados produtores

Na entrevista com o presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Lucas Beber, ele destacou que no início deste ano percebemos um movimento significativo, incluindo a Associação dos Municípios, prefeitos, a União das Câmaras dos Vereadores e o Tribunal de Contas do Estado “em prol do sojicultor”.

Esse movimento se deu por que se entende que a moratória vem trazendo desigualdades entre municípios, punindo aqueles que ainda possuem áreas aptas para desmatamento, dentro do Código Florestal, que poderiam, de fato, impulsionar a economia do estado.

Esses projetos de lei são importantes pois, além de definir melhor os critérios para a concessão de benefícios fiscais, também incluem parâmetros de concessão de áreas públicas. Ou seja, interferem diretamente na capacidade de expansão agrícola de uma região.

Em Rondônia, a lei que já entrou em vigor, estabelece a proibição de benefícios fiscais e concessão de terrenos públicos às empresas que participem de acordos, tratados ou compromissos que restrinjam a expansão da agropecuária. A aprovação foi praticamente unânime.

Novo cenário em Rondônia

Mato Grosso pode ser o grande divisor de águas para as tradings que operam no Brasil. Os projetos de lei do estado foram inspirados pelo sucesso da mesma iniciativa em Rondônia.

O governador de Rondônia, Marcos Rocha, sancionou uma lei importante no mês passado. Conforme a legislação de Rondônia, que pertence ao bioma Amazônia e produz aproximadamente 2,3 milhões de toneladas de soja, estão proibidos “os benefícios fiscais e a concessão de terrenos públicos às empresas que participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos” que imponham restrições à agropecuária.

A lei foi passada de forma unânime, e mesmo em estados onde a moratória ainda não encontrou forte oposição, começa a ganhar corpo um movimento semelhante ao de Rondônia.

Adair Menegol, presidente da Aprosoja Rondônia, destacou que essa lei é uma resposta ao sentimento de que a moratória deveria se submeter às leis nacionais, que elas já são suficientemente rígidas e protetoras do meio ambiente, sem a necessidade de mais restrições.

Coalizão contrária à moratória

Outros estados como Pará, Maranhão e Tocantins também estão fomentando leis contra a moratória. Esses estados, que também figuram entre os maiores produtores de soja do Brasil, seguem os passos de Rondônia. As Aprosojas estaduais articulam esses projetos em conjunto com deputados ligados ao setor rural.

Em especial, o estado do Pará já está bastante avançado com seus trâmites, mirando a aprovação de um projeto de lei similar já no próximo mês. “Estamos seguindo a mesma estratégia de Rondônia, porque acreditamos que a moratória pode retardar o desenvolvimento econômico do estado ao invés do Código Florestal”, afirmou Vanderlei Ataides, presidente da Aprosoja paraense.

Impactos no livre mercado

Os defensores das leis contra a moratória argumentam que não se trata simplesmente de acabar com a restrição, mas sim de criar parâmetros objetivos para a concessão de incentivos fiscais. Isto é, renúncia de receia para o Estado.

Analistas indicam que isso representa uma sinalização ao mercado internacional, que tem exigido cada vez mais ações antidesmatamento para continuar comprando produtos brasileiros. Mesmo que a moratória da soja não seja citada diretamente, o objetivo mora nas entrelinhas: reduzir as penalidades percebidas como excessivas pelos produtores locais.

Thiago Rocha, consultor das Aprosojas estaduais, reforça que os projetos são fundamentados no Estado Democrático de Direito. Ele argumenta que as tradings exportadoras, que detêm cerca de 95% do mercado, estão deixando produtores sem opções ao formar uma espécie de monopólio sob um acordo que não respeita a realidade do mercado.

O desafio dos produtores inadimplentes

Os impactos negativos da moratória não ficam apenas no plano político, mas atingem diretamente os produtores na linha de frente. Vejamos um exemplo recente em Rondônia: uma atualização da lista de impedidos de vender devido à moratória pegou muitos de surpresa.

Produtores que já haviam feito compras antecipadas de insumos para a safra 2024/25 se encontraram numa situação crítica. Como resultado, muitos entraram em inadimplência ou até falência.

A metodologia do acordo da moratória, coordenada pelo Grupo de Trabalho da Soja, estipula que desflorestamentos a partir de 25 hectares são monitorados via satélite pelo INPE.

Entretanto, há críticas sobre a aplicação dos critérios. Lucas Beber exemplifica: “Um produtor em Sinop cultivava toda a área antes de 2008, mas desmatou 4 hectares para um armazém. Agora está na lista da moratória, mesmo sem desmatar para produção”.

Claramente, isso cria um impasse. Produtores argumentam que os critérios são arbitrários, gerando inadimplência e prejudicando a relação comercial.

Movimento na esfera federal

Enquanto a questão ganha força nos estados, Brasília também tem visto articulações federais contra a moratória. A deputada Coronel Fernanda (PL-MT) solicitou a abertura de um processo no CADE para investigar se as exportadoras estão interferindo no livre mercado.

Além disso, o TCU está analisando o Banco do Brasil, que participa do Grupo de Trabalho da Moratória desde 2011, para verificar se o banco está promovendo incentivos que favorecem signatários da moratória.

O Banco do Brasil justificou que suas políticas seguem critérios socioambientais rígidos para verificar regularidade dos empreendimentos.

Outra movimentação em Brasília envolve a coleta de assinaturas para a criação de uma CPMI que investigaria ONGs envolvidas na moratória. O objetivo é esclarecer o papel e a influência dessas organizações sobre a produção agrícola do país.

A indústria responde

Naturalmente, a Abiove, representante das tradings e uma das entidades mais ativas na criação do acordo, preferiu não comentar, aguardando encaminhamentos antes de qualquer posição pública.

Sérgio Mendes, diretor geral da Anec, rememorou a pressão internacional que deu origem à moratória em 2006, quando ONGs como o Greenpeace associaram a soja brasileira ao desmatamento da Amazônia. Mendes ressaltou que a manutenção da moratória visa equilibrar pressões ambientais e comerciais.

Mendes ainda expressou preocupação quanto aos impactos econômicos dos projetos de lei estaduais, temendo desvantagem competitiva para a soja brasileira.

“Sem a moratória, perderemos vantagem competitiva, pois a soja brasileira não terá mais o diferencial de não vir de áreas desmatadas,” avisou o diretor geral.

A imagem do Brasil em risco

Especialistas reforçam a importância da moratória para a imagem da produção sustentável brasileira. Com políticas ambientais cada vez mais rigorosas no exterior, sobretudo na Europa, o acordo torna-se uma ferramenta relevante para manter a competitividade global.

Frederico Favacho, sócio na Santos Neto Advogados, argumenta que os avanços na proteção da Amazônia e fortalecimento das práticas sustentáveis foram significativos, considerando a relevância histórica da moratória. Segundo ele, a resposta apropriada seria o diálogo contínuo, essencial para resolver as tensões entre soberania nacional e pressão internacional.

Descendo ao concreto

Favacho destaca que as propostas de revogação dos incentivos fiscais podem trazer desvantagens, com empresas já recalculando se é viável abandonar os benefícios fiscais em prol das vantagens de exportação que a moratória garante.

“Diálogo é a única solução urgente e forte para resolver essas questões”, concluiu Sérgio Mendes, da Anec.


Última atualização em 26 de agosto de 2024

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