Proposta UE-Mercosul com salvaguardas amplia acesso ao mercado europeu e protege setores brasileiros

Proposta UE-Mercosul com salvaguardas amplia acesso ao mercado europeu e protege setores brasileiros

A Comissão Europeia pretende levar à votação nesta quarta-feira (10 de setembro de 2025) a proposta de acordo comercial com o Mercosul, com um pacote de salvaguardas voltado a atender pressões de países e setores que veem risco de desequilíbrios no mercado interno. O texto, concluído politicamente em dezembro de 2024 após 25 anos de tratativas, depende do aval do Parlamento Europeu e de maioria qualificada entre os governos do bloco. A estratégia em Bruxelas é combinar a abertura de mercado com um freio de mão acionável caso determinados indicadores de oferta, preço e participação de mercado se descolem do padrão usual.

A Alemanha e a Espanha defendem a aprovação, argumentando que o pacto ajudará a compensar perdas comerciais decorrentes de tarifas impostas pelos Estados Unidos e a diversificar fornecedores de insumos industriais. França e Polônia, por sua vez, sustentam que setores agropecuários sensíveis ficariam expostos a um aumento de concorrência com potencial de derrubar cotações e renda no campo. Para tentar virar votos, a Comissão descreve um mecanismo de resguardo que pode suspender preferências tarifárias em produtos considerados críticos se houver salto de 10% em volumes ou em participação de mercado, ou queda de 10% em preços, em comparação com médias recentes.

Panorama do acordo e próximos passos

O texto negociado entre União Europeia e Mercosul tem dois eixos principais: redução gradual de tarifas e criação de cotas para bens sensíveis. A arquitetura prevê compromissos de acesso a mercado para bens industriais e agropecuários, além de capítulos sobre facilitação de comércio, compras governamentais, regras de origem, medidas sanitárias e fitossanitárias e reconhecimento de indicações geográficas. Ao longo de 10 a 15 anos, a maioria das tarifas deve ser eliminada, com etapas de implementação que variam por capítulo e por produto, conforme o grau de sensibilidade de cada lado.

A tramitação começa com a apresentação formal pela Comissão Europeia e segue para as comissões temáticas e o plenário do Parlamento Europeu. Em paralelo, os governos nacionais avaliam o dossiê no Conselho, onde a aprovação se dá por maioria qualificada — modelo que considera o número de países e o peso populacional. Se houver entendimento de que certas áreas exigem aval interno adicional, alguns membros podem submeter trechos do acordo às suas instâncias nacionais. A Comissão trabalha com um roteiro em fases, que permite aplicação escalonada de pontos consensuais enquanto trechos mais sensíveis seguem em debate técnico.

O que muda nas tarifas e nas cotas

Pelo desenho apresentado, o Mercosul retirará tarifas sobre 91% das exportações europeias em um horizonte de 15 anos, contemplando setores como automotivo, máquinas e equipamentos, químicos e bens de capital. A União Europeia, por sua vez, eliminará tarifas para 92% das exportações do Mercosul ao longo de 10 anos. Em ambos os casos, a abertura acontece por etapas, com listas de sensibilidade que determinam o cronograma de corte. No automotivo, por exemplo, é comum aplicar degraus de redução com intervalos regulares, o que dá previsibilidade às empresas para adaptar logística, contratos e cadeias de suprimento.

Nos itens agropecuários sensíveis, o acesso ocorre por meio de cotas tarifárias (TRQs). O pacote inclui aumento de 99 mil toneladas métricas para carne bovina destinada ao mercado europeu, além de cotas específicas para aves, carne suína, açúcar, etanol, arroz, mel, milho e milho doce. Em contrapartida, o Mercosul concederá cota isenta de imposto de 30 mil toneladas para queijos europeus, além de preferências para outros laticínios e produtos processados. Diferentemente da eliminação tarifária plena, as TRQs limitam o volume que pode entrar com tarifa reduzida, servindo como válvula de equilíbrio para picos de oferta.

Como funcionam as salvaguardas propostas

O componente mais sensível da proposta é o mecanismo de salvaguarda que permite suspender, de forma temporária e direcionada, o acesso preferencial em determinados produtos. Segundo interlocutores em Bruxelas, a regra acionaria um alerta quando o mercado europeu registrasse aumento de 10% na participação do Mercosul, avanço de 10% nos volumes importados ou queda de 10% nos preços, sempre em comparação com médias observadas num período de referência. A partir daí, autoridades poderiam iniciar procedimento para reverter a preferência ou reintroduzir tarifas até que os indicadores retornem a patamar compatível com a estabilidade.

A ativação dependeria de monitoramento de dados e de consulta a comitês técnicos, com prazos definidos para manifestação de produtores, importadores e distribuidores. O objetivo declarado é prevenir distorções abruptas, sem paralisar operações legítimas nem criar incerteza crônica. Na prática, a salvaguarda funcionaria como um amortecedor: se uma combinação de preço, volume e participação de mercado sinalizar desequilíbrio, o bloco ganha tempo para avaliar causas e calibrar a resposta. Governos que pedem mais proteção afirmam que esse tipo de cláusula é condição para um consenso político mínimo em torno do acordo.

Reações na Europa e posições em disputa

A França, maior produtora de carne bovina da União Europeia, classificou o conjunto atual como insuficiente para neutralizar riscos de competição mais intensa em regiões onde a pecuária é base econômica. O governo francês menciona histórico de volatilidade de preços e alerta para a necessidade de planos de transição que envolvam crédito, modernização e apoio à renda em momentos de choques externos. A Polônia, que já se opôs em outras rodadas, também sinalizou que o texto precisa de travas operacionais claras para carnes, grãos e processados, temas de grande sensibilidade política no país. Para o primeiro-ministro Donald Tusk, salvaguardas com gatilhos verificáveis são peça essencial do arranjo.

Do outro lado, Alemanha e Espanha sustentam que o equilíbrio geral favorece a competitividade europeia, ao ampliar acesso a um mercado de mais de 260 milhões de consumidores no Mercosul e facilitar a compra de insumos industriais. Representantes da indústria destacam ganhos de escala na cadeia automotiva, de máquinas e de produtos químicos, além do potencial de reduzir burocracia alfandegária com regras mais claras de origem e de conformidade técnica. Parlamentares favoráveis dizem que o pacote de salvaguardas responde a temores legítimos e pode ser ajustado em regulamentos complementares, sem bloquear a abertura prevista no texto.

Efeitos esperados no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai

Para os países do Mercosul, o acordo tende a oferecer janelas de oportunidade em duas frentes. Na agroindústria, ampliam-se as cotas e reduz-se o custo de acesso para carnes, açúcar, etanol e outras commodities com alta demanda na Europa. Em manufaturas, os cortes tarifários prometem tornar mais competitivas exportações de itens como autopeças, calçados, têxteis e bens de consumo duráveis. A contrapartida é a abertura gradual a equipamentos e bens de capital europeus, com estímulo à modernização de plantas e linhas de produção locais. A decisão empresarial de aproveitar a janela depende de cálculos de margem, câmbio, frete e custo de financiamento.

No Brasil, setores com certificações e histórico de atendimento às exigências sanitárias europeias tendem a ganhar tração mais rapidamente. Exportadores com rastreabilidade detalhada de lotes, controles de qualidade e processos consolidados de habilitação de plantas saem na frente nas primeiras alocações de cotas. Argentina e Uruguai, com tradição em proteína bovina premium, podem disputar nichos de maior valor agregado. O Paraguai mira expansão em frango, bovinos e açúcar. Em todos os casos, a estratégia passa por domínio de regras de origem, documentação aduaneira e gestão precisa das janelas de cotas, que costumam se esgotar rapidamente nos primeiros meses do ano.

Regras de origem e conformidade: o que empresas precisam observar

As regras de origem definem quando um produto pode ser considerado “originário” e, portanto, apto a receber tarifa reduzida. Em bens industrializados, o critério geralmente envolve transformação suficiente (mudança de classificação tarifária), valor agregado regional mínimo ou processos específicos (como estampagem, soldagem ou montagem final). Em alimentos, pesam a origem da matéria-prima e a etapa de processamento. Para aproveitar benefícios, exportadores devem mapear sua cadeia de suprimentos, documentar insumos e manter registros que permitam comprovação rápida em auditorias. Falhas nessa rastreabilidade podem levar à perda da preferência e à cobrança de diferença tarifária com multa.

No campo sanitário e fitossanitário, o alinhamento com as exigências europeias é determinante. Isso inclui certificações de estabelecimentos, padrões de higiene, controles de resíduos e protocolos de inspeção. O Mercosul já opera há anos com esses requisitos, o que reduz a curva de aprendizagem para quem exporta com frequência. A novidade do acordo é a previsibilidade: listas de exigências mais transparentes, procedimentos harmonizados e prazos definidos para resposta a pedidos de habilitação. Com isso, empresas podem planejar volumes, contratos e logística com menor risco de bloqueios inesperados na fronteira.

Detalhes do acordo: reduções, cotas e setores sensíveis

O Executivo europeu define o pacto com o Mercosul como o maior já firmado em redução de tarifas, medido pela amplitude de cobertura e pelo valor agregado do comércio envolvido. A lógica é criar um calendário claro de abertura, preservando a capacidade de resposta em produtos que concentram renda de produtores e emprego regional. Na prática, a combinação de quotas, estágios de corte e salvaguardas procura atenuar choques e permitir ajustes graduais. Para as empresas, esse mapa dá previsibilidade para investimentos e contratos de longo prazo, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de gestão ativa das regras.

Entre os pontos destacados, aparecem concessões cruzadas em laticínios, carnes, etanol e bens industriais. Do lado europeu, há interesse explícito em maior previsibilidade para a cadeia automotiva, na qual fabricantes buscam encaixar o Mercosul como polo de complementariedade. Do lado sul-americano, a prioridade recai sobre itens agro, com os ajustes das cotas e a redução de tarifas fora da cota contribuindo para tornar operações viáveis. A seguir, o quadro sintético com os principais tópicos divulgados até aqui.

  • Reduções tarifárias: o Mercosul removerá impostos sobre 91% das exportações da UE ao longo de 15 anos; a UE eliminará tarifas sobre 92% das exportações do Mercosul em 10 anos.
  • Cotas agrícolas: a UE oferecerá mais 99.000 toneladas métricas para carne bovina, além de cotas para aves, suínos, açúcar, etanol, arroz, mel, milho e milho doce; o Mercosul dará à UE 30.000 toneladas isentas para queijos.
  • Indicações geográficas: reconhecimento de 350 denominações europeias, com regras de proteção e uso.
  • Minerais essenciais: a UE vê no Mercosul um parceiro para reduzir dependência de fornecedores concentrados, com isenção de imposto para a maioria desses materiais.
  • Salvaguardas: medidas possíveis para lidar com perturbações de mercado, com gatilhos objetivos e prazos definidos.
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Agricultura: o que muda na prática das TRQs

As cotas tarifárias funcionam como corredores preferenciais. Dentro do volume acordado, a tarifa é reduzida ou zero; acima do teto, a alíquota volta ao patamar de Nação Mais Favorecida (NMF). No caso da carne bovina, a distribuição da cota entre os países do Mercosul segue critérios que costumam considerar histórico de exportação, padrão de habilitação de plantas e cumprimento de requisitos sanitários. Operadores planejam o uso das TRQs com antecedência, organizando embarques no início do ano para garantir entrada dentro do limite com tarifa favorecida. Quando a cota se esgota, negócios dependem do diferencial de preço para seguir viáveis fora do corredor.

Para os produtores europeus, o receio central é a pressão adicional em cotações regionais, especialmente em áreas com elevada concentração de pecuária de corte. Os governos que pedem ajustes defendem gatilhos automáticos justamente para evitar que uma mudança de fluxo de curto prazo derrube preços em mercados locais. Em resposta, Bruxelas incluiu um desenho de reação rápida. Se volumes, participação ou preços se desviarem 10% do padrão de referência, o bloco pode suspender a vantagem tarifária do produto específico e reavaliar a alocação. Assim, mantém-se a abertura negociada, ao mesmo tempo em que se preserva uma ferramenta de gestão para os momentos de estresse.

Indicações geográficas: efeitos no rótulo e no balcão

O reconhecimento de 350 indicações geográficas europeias estabelece limites claros para o uso de nomes associados a regiões e métodos tradicionais. Na prática, produtores do Mercosul que utilizam denominações similares terão de adequar rótulos, material de marketing e contratos de distribuição. Em muitos casos, a adaptação envolve adotar termos genéricos ou descritivos, preservando a identidade do produto sem sugerir associação indevida a uma origem protegida na UE. Esse ajuste tende a ocorrer em prazos de transição, com regras específicas para produtos já no mercado e estoques existentes.

Do ponto de vista do consumidor, as IGs funcionam como sinalização de procedência e método de produção. Para importadores e varejistas, é necessário reforçar controles de conformidade na ponta, evitando impropriedades no ponto de venda e em canais digitais. Fabricantes europeus em setores como queijos, vinhos e embutidos veem na proteção um incentivo ao investimento de longo prazo e à manutenção de padrões de qualidade. Já empresas sul-americanas calculam custos de transição e eventuais mudanças de portfólio, ponderando que a abertura tarifária pode compensar a adequação de embalagens e de comunicação.

Minerais e insumos industriais: janela para novas cadeias

A União Europeia enxerga no Mercosul um parceiro relevante para insumos críticos à indústria, como lítio e outros minerais utilizados em baterias, eletrônicos e sistemas de armazenamento. O acordo prevê isenção de impostos de exportação para a maior parte desses materiais, além de disciplinas que visam transparência regulatória e previsibilidade nos fluxos. Para empresas europeias, isso pode representar menor risco de interrupção e maior diversificação de fornecedores. Para os países do Mercosul, abre-se a possibilidade de desenvolver elos industriais associados ao beneficiamento e à manufatura, elevando o conteúdo local e atraindo investimentos para etapas de maior valor agregado.

A materialização dessa agenda depende de infraestrutura, estabilidade regulatória e qualificação de mão de obra. Projetos de transformação mineral e de componentes industriais exigem logística eficiente, energia competitiva e financiamento de longo prazo. O acordo reduz tarifas e aumenta previsibilidade, mas a decisão final de investimento envolve cálculo de risco macroeconômico e disponibilidade de fornecedores locais capazes de cumprir especificações técnicas. O interesse europeu se intensifica quando há oferta consistente de matéria-prima aliada a programas de desenvolvimento industrial, o que também pode estimular cooperação tecnológica e formação de consórcios.

Caminho político: onde o acordo pode travar e como destravar

Mesmo com a proposta sobre a mesa, a aprovação não é automática. No Parlamento Europeu, a comissão de comércio internacional analisa o texto e emite parecer, que segue a plenário. A disputa passa por bancadas sensíveis a demandas de agricultores e por grupos que priorizam competitividade industrial. No Conselho, a construção de uma maioria qualificada exige costurar apoios entre países com interesses diferentes. Um núcleo favorável enxerga ganhos líquidos; outro, mais cauteloso, quer cláusulas de controle mais rígidas, sobretudo em carnes e grãos. O risco de formação de minoria de bloqueio aumenta quando governos enfrentam pressões domésticas às vésperas de ciclos eleitorais.

Entre as saídas aventadas, está a negociação de instrumentos paralelos com salvaguardas específicas por produto, além de fundos de transição para modernização e competitividade de cadeias sensíveis. Há, também, a possibilidade de aplicação provisória de capítulos menos controversos enquanto outros seguem em análise detalhada. Esse fatiamento não é consenso, mas surge como alternativa para evitar que o impasse em um segmento inviabilize todo o arranjo. A estratégia de comunicação — explicando prazos, gatilhos e limites das concessões — é vista como parte do esforço para reduzir ruído e tornar o debate mais técnico.

Passo a passo para empresas: como se preparar para a abertura

Empresas que pretendem usar as preferências tarifárias devem iniciar um checklist interno. Primeiro, mapear produtos elegíveis e códigos NCM/HS; segundo, confirmar as regras de origem aplicáveis; terceiro, revisar fornecedores e insumos para assegurar que o critério de origem seja atendido; quarto, organizar dossiês com notas fiscais, faturas, certificados e laudos que comprovem a conformidade. É recomendável treinar equipes de comércio exterior para lidar com certificados de origem preferenciais e com as exigências de comprovação pós-despacho. Em setores sujeitos a habilitação prévia, como carnes e lácteos, a atualização cadastral e a manutenção de controles sanitários são indispensáveis.

Na parte logística, a empresa deve avaliar terminais, rotas e armadores com melhor desempenho para a Europa e atualizar contratos com cláusulas que prevejam cenários de esgotamento de cotas. Em TRQs muito disputadas, planejar embarques cedo no ano pode ser a diferença entre entrar com tarifa favorecida ou pagar imposto cheio. Para quem exporta bens industriais, a racionalização de listas de materiais e a padronização de componentes ajudam a cumprir regras de origem e a simplificar auditorias. Já importadores precisam ajustar sistemas para a correta classificação tarifária e para o controle de saldos de cotas, evitando autuações e custos não previstos.

Tarifas automotivas e bens de capital: cronogramas e oportunidades

Na cadeia automotiva, a abertura costuma ser escalonada, com degraus anuais de redução que permitem adaptação gradual. Fabricantes veem espaço para ampliar o intercâmbio de veículos completos e, principalmente, de autopeças, com ganhos de escala e integração de plataformas. Para fornecedores do Mercosul, a previsibilidade tarifária soma-se à possibilidade de homologações técnicas mais ágeis, reduzindo prazos de lançamento e o custo de reposição. Do lado europeu, importadores projetam margens mais competitivas em máquinas, equipamentos e componentes de alta tecnologia, o que pode destravar projetos de modernização industrial em fábricas sul-americanas.

Bens de capital tendem a se beneficiar da queda de imposto e de procedimentos mais claros na alfândega, com impacto em produtividade. A expectativa é que empresas adotem ciclos de investimento mais curtos, substituindo equipamentos obsoletos por máquinas com maior eficiência operacional. Ao mesmo tempo, aumenta a exigência de suporte técnico local, treinamento e disponibilidade de peças, o que pode estimular a instalação de centros de serviços e de engenharia na região. A combinação de tarifa menor e serviço de pós-venda robusto costuma ser decisiva na escolha do fornecedor.

Preço, câmbio e frete: variáveis que podem mudar o jogo

Tarifas menores não garantem, por si, competitividade. O resultado final depende da soma de câmbio, frete, seguros e prazos de financiamento. Em janelas de frete marítimo elevado, parte do ganho tarifário pode ser absorvida pela logística. Em ambientes de juros altos, o custo de capital afeta decisões sobre estoques e prazos de pagamento. Por isso, empresas tendem a trabalhar com cenários: um conservador, que considera câmbio desfavorável e frete alto; e outro mais otimista, que aproveita janelas de menor custo logístico. A disciplina de acompanhar essas variáveis mês a mês é crucial para capturar o benefício da preferência tarifária.

Também pesa a estratégia comercial. Em mercados onde a cota tarifária se esgota rapidamente, o posicionamento de marca e a negociação com distribuidores antecipam vendas e protegem margens. Em setores industriais, contratos de longo prazo com cláusulas de reajuste atreladas a índices de custo ajudam a dar estabilidade. A decisão de produzir localmente ou importar também entra na conta: quando a soma de tarifa, frete e câmbio favorece a importação, empresas podem priorizar o abastecimento externo; quando o quadro se inverte, produção regional ganha competitividade.

Perguntas e respostas: direitos, prazos e documentação

Quem tem direito à tarifa reduzida? Exportadores e importadores que comprovem origem conforme as regras do acordo e apresentem certificação válida na entrada do produto. A verificação pode ocorrer tanto no despacho aduaneiro quanto a posteriori, em auditorias. Se a origem não for comprovada, a autoridade pode exigir a diferença da tarifa, com juros e penalidades quando previstas.

Como funcionam os prazos? Cada capítulo tem cronogramas específicos. Em linhas gerais, produtos industriais caminham para eliminação de tarifa em 10 a 15 anos, enquanto bens sensíveis operam por cotas. As salvaguardas podem ser acionadas por períodos determinados, com possibilidade de revisão periódica. O calendário de implementação é divulgado em anexos com escalas por produto, e empresas devem adequar sistemas fiscais e de comércio exterior antes da entrada em vigor das novas alíquotas.

O que observar no Parlamento Europeu e nos governos nacionais

Os próximos sinais virão das comissões do Parlamento Europeu responsáveis por comércio e agricultura, que devem convocar audiências com associações setoriais, autoridades e analistas. O placar nas comissões tende a orientar o debate em plenário. Nos governos nacionais, chancelerias e ministérios da economia calibram sua posição conforme custos e benefícios setoriais. Países com forte presença na agropecuária pedem parâmetros objetivos para as salvaguardas; economias altamente industrializadas cobram rapidez na abertura de bens de capital, componentes e serviços correlatos.

A construção de uma maioria qualificada no Conselho passa por articular concessões paralelas. Uma possibilidade é acionar instrumentos já existentes de apoio a produtores em caso de flutuações fortes de preço. Outra, criar linhas de crédito e modernização atreladas a metas de produtividade, conectando a abertura comercial a ganhos concretos de eficiência. O sucesso dessa engenharia política depende de como as capitais europeias avaliam o balanço final do pacote e a efetividade dos gatilhos de proteção propostos por Bruxelas.

Sinais de mercado: como interpretar preços e volumes nos próximos meses

Se a proposta avançar, os primeiros efeitos tendem a aparecer em cadeias com logística mais ágil e em produtos com demanda reprimida. A observação de spreads entre preços na origem e no destino, além da velocidade de preenchimento das TRQs, dará pista sobre o apetite dos compradores europeus. No agro, é comum que embaladores e distribuidores testem pequenos lotes antes de ampliar volumes. Em manufaturas, contratos-piloto com prazos curtos ajudam a validar especificações técnicas e prazos de entrega, abrindo caminho para rodadas maiores.

Empresas do Mercosul que desejam captar mais valor devem considerar certificações adicionais de qualidade, rastreabilidade de lotes e acordos de nível de serviço (SLAs) com parceiros logísticos. No varejo europeu, a consistência no fornecimento pesa tanto quanto o preço. Já do lado europeu, importadores avaliarão quais linhas de produtos têm maior elasticidade de demanda diante de queda de preços por conta da tarifa menor. A entrada de itens com especificações diferenciadas — cortes premium de carne, queijos com maturação específica, autopeças de tolerância estreita — pode acelerar a conquista de nichos menos sensíveis a preço.

Onde há consenso e onde persiste a divergência

Há consenso amplo sobre a utilidade de regras mais claras de origem, procedimentos aduaneiros previsíveis e reciprocidade no acesso a compras governamentais. Também é forte a convergência quanto à necessidade de instrumentos de gestão para evitar disrupções repentinas em segmentos sensíveis, ainda que os detalhes sobre os gatilhos e a duração das medidas sigam em debate. Em insumos industriais e bens de capital, a visão de ganhos é majoritária. Nas proteínas e em alguns cultivos, persistem diferenças sobre a velocidade da abertura e sobre os parâmetros de reação a choques de mercado.

A decisão final dependerá de como os ajustes finos serão escritos: prazos de revisão das salvaguardas, transparência na coleta de dados que fundamentam a ativação, e o desenho de apoio aos setores mais expostos. O desafio da Comissão é calibrar o pacote para responder às preocupações sem esvaziar os benefícios centrais do acordo. Se conseguir, aumenta a chance de formar maioria no Parlamento e no Conselho; se não, o processo pode se prolongar com pedidos de mudanças pontuais que empurram a votação para adiante.

O que observar a partir de 10 de setembro

A sessão desta quarta-feira (10 de setembro de 2025) deve revelar o apetite político para avançar. Sinais de endurecimento — como tentativas de condicionar a abertura a metas adicionais — podem alongar a agenda. Já um endosso ao desenho das salvaguardas indica que as capitais europeias estão dispostas a buscar convergência nas próximas semanas. Para empresas, o recado será traduzido em cronogramas internos: preparar dossiês, agendar auditorias, ajustar contratos de fornecimento e revisar tabelas de preço com base nas alíquotas futuras e na provável data de aplicação.

Enquanto isso, associações setoriais intensificam a interlocução com governos para detalhar listas de produtos, volumes de cotas e requisitos de documentação. A qualidade desse diálogo técnico costuma fazer diferença na etapa de implementação, quando perguntas específicas — desde a comprovação de origem de um insumo até a distribuição mensal de uma TRQ — precisam de respostas rápidas. O andamento da proposta, portanto, será acompanhado de perto por produtores, traders, indústrias e varejistas, todos atentos ao desfecho político nas instituições europeias e aos reflexos diretos nas operações de comércio exterior.



Última atualização em 6 de setembro de 2025

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