Contabilidade de Carbono: Um Debate Político Disfarçado de Técnica?
A contabilidade de carbono, frequentemente encarada como uma mera operação matemática, é na verdade um campo minado de política e interesses. Heloísa Borges, diretora de Estudos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), jogou luz sobre essa complexidade durante o Energy Summit 2025. Segundo ela, a forma como se contabiliza o carbono e as premissas que sustentam esses cálculos são tão importantes quanto a tonelada de carbono em si. A neutralidade, portanto, é uma miragem nesse processo.
Essa perspectiva desafia a visão simplista de que a redução de emissões é um problema puramente técnico. A escolha de metodologias e a definição de quais emissões são consideradas relevantes podem favorecer ou desfavorecer determinados países, setores e tecnologias. Por exemplo, a valorização excessiva de tecnologias de captura de carbono em detrimento de outras soluções pode desviar recursos de alternativas mais adequadas para contextos específicos. A diretora da EPE enfatiza a necessidade de reconhecer a dimensão política da contabilidade de carbono, defendendo uma abordagem mais justa e inclusiva na transição energética.
A Defesa da Neutralidade e a Transição Energética Justa
O Brasil tem se posicionado em defesa da neutralidade nas premissas dos modelos de contabilidade de carbono. Essa postura visa garantir que as particularidades e os esforços de cada país sejam devidamente reconhecidos, sem imposições de soluções únicas e generalizadas. A diretora Heloísa Borges reforça que a transição energética deve ser justa e inclusiva, permitindo que cada sociedade construa seus próprios caminhos, respeitando suas realidades locais e vocações regionais. Em outras palavras, o que funciona para um país europeu pode não ser a melhor opção para o Brasil, e vice-versa.
A busca por uma transição energética justa envolve considerar os impactos sociais e econômicos das mudanças propostas. A imposição de padrões globais sem levar em conta as condições específicas de cada país pode gerar desigualdades e comprometer o desenvolvimento sustentável. Heloísa Borges alerta para o risco de “trancar caminhos” e “escolher tecnologias”, o que poderia levar a soluções caras e excludentes. A chave está em diversificar as abordagens e valorizar as soluções que se mostrem mais adequadas para cada contexto, sem preconceitos ou imposições ideológicas.
O Potencial dos Biocombustíveis na Visão Brasileira
No contexto da transição energética, os biocombustíveis emergem como um exemplo prático da experiência brasileira. O país possui uma longa trajetória no desenvolvimento e uso de etanol, um combustível renovável produzido a partir da cana-de-açúcar e, mais recentemente, do milho. A produção e o uso de etanol contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa, além de gerar empregos e renda no setor agrícola. O sucesso do etanol no Brasil demonstra o potencial dos biocombustíveis como parte de uma estratégia de transição energética diversificada.
Heloísa Borges destaca o potencial de desenvolvimento do negócio de estocagem de carbono associado à indústria de etanol. Ao combinar a produção de etanol com a captura e armazenamento de carbono (CCS), é possível obter emissões negativas, ou seja, remover mais carbono da atmosfera do que emitir. Essa abordagem inovadora abre um “orçamento de carbono” valioso para o país, permitindo compensar emissões de outros setores da economia. O Brasil tem a oportunidade de se tornar um líder global em tecnologias de bioenergia com captura e armazenamento de carbono, impulsionando a transição energética e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
Estratégias da EPE para a Estocagem de Carbono
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) está ativamente engajada no mapeamento de potenciais áreas para estocagem de CO2 próximas às usinas sucroalcooleiras. Essa iniciativa visa reduzir os custos de transporte do CO2 capturado, tornando a captura e armazenamento de carbono (CCS) mais economicamente viável. Ao identificar locais adequados para a estocagem de CO2 próximos aos centros de produção de etanol, a EPE busca otimizar a logística e reduzir os custos associados à implantação da tecnologia CCS.
A estratégia da EPE de mapear áreas de estocagem de CO2 próximas às usinas de etanol demonstra uma abordagem pragmática e orientada para resultados. Ao focar na proximidade geográfica, a EPE busca reduzir os custos de transporte, que representam uma parcela significativa dos custos totais da CCS. Além disso, a proximidade entre as fontes de emissão e os locais de estocagem facilita o desenvolvimento de infraestrutura compartilhada, como dutos e instalações de compressão, o que pode gerar economias de escala e reduzir ainda mais os custos. Essa abordagem estratégica posiciona o Brasil como um potencial líder na implementação da tecnologia CCS associada à produção de bioenergia.
A Combinação de CCS e Bioenergia para Emissões Negativas
A combinação da captura e armazenamento de carbono (CCS) com a bioenergia resulta em emissões negativas, um conceito crucial para atingir as metas de descarbonização. As emissões negativas ocorrem quando mais carbono é removido da atmosfera do que emitido. No caso da bioenergia com CCS, o CO2 capturado durante o processo de produção de etanol é armazenado permanentemente no subsolo, enquanto o etanol substitui combustíveis fósseis, reduzindo as emissões. Essa combinação virtuosa permite que o país não apenas reduza suas emissões, mas também contribua ativamente para a remoção de carbono da atmosfera.
O conceito de emissões negativas é fundamental para o futuro da transição energética. Em um cenário de aquecimento global, a simples redução das emissões pode não ser suficiente para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. É necessário remover o excesso de carbono que já foi lançado na atmosfera. A bioenergia com CCS oferece uma solução promissora para esse desafio, permitindo que o Brasil se posicione como um líder global na remoção de carbono. Ao investir em tecnologias de emissões negativas, o país pode criar um “orçamento de carbono” valioso, que pode ser usado para compensar emissões de outros setores da economia ou até mesmo comercializado no mercado de carbono.
O “Orçamento de Carbono” e o Futuro do Brasil
A obtenção de “emissões negativas” através da combinação de CCS e bioenergia “abre um orçamento de carbono” valioso para o Brasil. Esse “orçamento” representa a quantidade de emissões que o país pode emitir sem comprometer suas metas de descarbonização. Ao remover mais carbono da atmosfera do que emitir, o Brasil pode criar um excedente de carbono, que pode ser usado para compensar emissões de outros setores da economia, investir em projetos de desenvolvimento sustentável ou até mesmo comercializar no mercado de carbono.
O conceito de “orçamento de carbono” representa uma nova perspectiva sobre a transição energética. Em vez de se concentrar apenas na redução das emissões, o foco passa a ser a gestão do balanço de carbono, buscando um equilíbrio entre as emissões e as remoções. O Brasil, com seu potencial para a produção de bioenergia com CCS, tem a oportunidade de se tornar um líder global na gestão do “orçamento de carbono”. Ao investir em tecnologias de emissões negativas, o país pode garantir um futuro mais sustentável e próspero para as próximas gerações.
Futuras Perspectivas
O debate sobre a contabilidade de carbono está longe de ser resolvido, e a visão de Heloísa Borges lança luz sobre as complexidades inerentes a essa discussão. A necessidade de uma abordagem justa e inclusiva na transição energética, que reconheça as particularidades de cada país e valorize as soluções locais, é fundamental para garantir um futuro sustentável para todos. O Brasil, com sua vasta experiência em biocombustíveis e seu potencial para a estocagem de carbono, tem a oportunidade de liderar esse processo, impulsionando a inovação e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
As futuras perspectivas para o Brasil na área de contabilidade de carbono e transição energética são promissoras. O país tem a oportunidade de se tornar um exemplo global de como combinar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade ambiental. Ao investir em tecnologias de bioenergia com CCS, o Brasil pode criar um novo modelo de desenvolvimento, baseado na remoção de carbono da atmosfera e na geração de empregos e renda no setor verde. O futuro do Brasil depende da capacidade de aproveitar seu potencial natural e tecnológico para construir uma economia mais limpa, justa e próspera.
Última atualização em 5 de julho de 2025