O governo brasileiro trabalha para costurar um acordo voluntário que acelere metas de energia já assumidas em conferências anteriores e as transforme em entregas observáveis até 2030. A ideia é usar a chamada Agenda de Ação como eixo, priorizando redes elétricas, eficiência no consumo, expansão de fontes renováveis, alternativas de baixo carbono para setores difíceis de eletrificar, acesso à energia e “clean cooking”, além de medidas para mobilizar financiamento e desenvolver a cadeia de minerais críticos. A aposta é apresentar resultados práticos e mensuráveis, reduzindo disputas de texto que costumam marcar negociações multilaterais.
O que está em jogo para o Brasil em Belém
Ao assumir a liderança das discussões de energia na COP30, em Belém, o Brasil pretende direcionar a conversa para execução. Em vez de abrir novas frentes de compromisso, a linha é transformar acordos já firmados — como triplicar a capacidade instalada de fontes renováveis e dobrar a taxa média anual de eficiência energética até 2030 — em planos com cronograma, metas intermediárias e indicadores públicos. A coordenação ficará a cargo do Itamaraty, com suporte de pastas setoriais, reguladores e bancos públicos, formando um núcleo de trabalho focado em implementação e transparência.
A presidência brasileira deve usar a Agenda de Ação como “ponte” entre o balanço global do Acordo de Paris e a execução doméstica e internacional. Isso envolve juntar governos, empresas, cidades e organizações da sociedade para que cada um apresente entregas de curto prazo. O Brasil quer também alinhar iniciativas nacionais — leilões de energia, expansão de transmissão, programas de eficiência, projetos com biocombustíveis e hidrogênio — com frentes de cooperação regional, buscando escala para reduzir custos e acelerar cadeias produtivas.
Acordo voluntário: de que forma funcionaria
O desenho em estudo é um pacto voluntário, com adesões por país, estado, cidade, empresa ou instituição financeira. Em vez de cláusulas punitivas, o instrumento se ampara em metas públicas, calendários de entrega e mecanismos de acompanhamento periódicos. A estratégia passa por padronizar o que será medido, com listas claras de projetos e indicadores setoriais: quilômetros de linhas de transmissão energizadas, gigawatts adicionados à matriz, volume de investimentos mobilizados, economias de energia comprovadas e número de domicílios atendidos por soluções de cozinha limpa.
Para dar tração, a proposta envolve “salas de situação” temáticas. Nelas, governos e setor privado acompanhariam pacotes de obras, licenças e financiamentos. A cada trimestre, seriam divulgadas notas de progresso com o que saiu do papel, o que ficou para o próximo ciclo e os entraves enfrentados. A lógica é criar um ciclo de entregas curtas, com vitórias graduais, em paralelo aos debates mais amplos. O modelo também prevê uma vitrine de projetos prontos para investimento, com critérios técnicos, estimativas de custo e classificações de risco creditício para facilitar a decisão de capital.
Renováveis e eficiência: do enunciado ao cronograma
Triplicar a capacidade de renováveis e dobrar a taxa de melhoria de eficiência até 2030 são metas conhecidas. O desafio é transformar esses enunciados em um caminho concreto, ano a ano. No caso das renováveis, a proposta brasileira tende a priorizar três frentes: acelerar leilões e PPAs para eólica, solar e hídrica; viabilizar a inserção de novas tecnologias — como armazenamento e geração distribuída — sem comprometer a estabilidade do sistema; e destravar licenças e conexões de transmissão. Para eficiência, o foco é reforçar programas de etiquetagem, padrões mínimos de desempenho para equipamentos, códigos de construção e gestão ativa do consumo em indústria e serviços.
Um plano eficaz inclui marcos trimestrais. Exemplos práticos: publicar o calendário de leilões com pelo menos doze meses de antecedência; reservar capacidade de transmissão para projetos com maior maturidade; ampliar linhas de crédito para retrofit de motores e sistemas de ar-condicionado; e lançar desafios públicos para reduzir o consumo em grandes prédios, com medição em tempo real. O objetivo é que cada medida tenha responsável, prazo e indicador, evitando que metas de 2030 virem intenções sem lastro na operação cotidiana do setor.
Redes elétricas: onde estão os gargalos e como avançar
A expansão de fontes renováveis exige redes mais robustas e inteligentes. O Brasil planeja destacar obras prioritárias de transmissão para escoar a geração eólica e solar do Nordeste e do interior para os grandes centros de carga, além de reforços em subestações e interligações regionais. Outra frente é a digitalização, com sistemas de proteção, automação e medição que permitam operar com maior variabilidade de geração. O pacote ainda mira procedimentos mais ágeis para conexão, padronizando estudos, datas de inspeção e critérios de desempenho para reduzir o tempo entre outorga e energização.
No nível da distribuição, a modernização envolve controle de tensão, medidores inteligentes, gestão ativa de demanda e integração de geração local em baixa tensão. Isso diminui perdas técnicas, amplia a previsibilidade e melhora a qualidade do fornecimento para consumidores residenciais e comerciais. A estratégia passa, também, por projetos-piloto de armazenamento e resposta da demanda em áreas urbanas densas, com métricas de custo por quilowatt-hora evitado e indicadores de confiabilidade. A partir dos pilotos, a intenção é definir modelos escaláveis, apoiados por regras regulatórias e por financiamentos adequados ao ciclo de retorno das distribuidoras.
Combustíveis de baixo carbono nos setores difíceis de eletrificar
Transportes pesados, aviação, navegação e processos industriais de alta temperatura demandam soluções além da eletrificação direta. O Brasil quer exibir casos de uso de combustíveis alternativos derivados de biomassa e rotas sintéticas, com padrões de rastreabilidade e regras de qualidade. Para aviação, o foco recai sobre o uso de SAF e etanol como matéria-prima em rotas aprovadas. Em navegação, o debate inclui biodiesel avançado, HVO e e-metanol. Na indústria, caminhos com hidrogênio e oxicombustão estão no radar de setores como siderurgia, cimento e fertilizantes, em paralelo à substituição de equipamentos por versões mais eficientes.
Para atrair capital, é essencial padronizar dados de ciclo de produção, estabelecer contratos de longo prazo e garantir previsibilidade tributária. A proposta brasileira deve enfatizar leilões de demanda para combustíveis de baixo carbono, mecanismos de garantia de origem e linhas de crédito para plantas industriais de primeira geração. O país pretende também avançar em certificação, combinando métricas técnicas com auditorias independentes e integração a plataformas digitais de monitoramento, reduzindo custos de conformidade e aumentando a confiança de compradores internacionais.
Acesso à energia e clean cooking como política pública
Universalizar o acesso e ampliar soluções de cozinha limpa estão no centro do pacote social de energia. Em comunidades remotas, o objetivo é combinar minirredes com geração local e armazenamento, criando atendimento contínuo e reduzindo o uso de fontes poluentes em ambientes internos. Em áreas urbanas e periurbanas, a estratégia inclui subsídios focalizados para equipamentos eficientes de cocção, melhoria de ventilação e programas de troca de fogões. A métrica-chave é o número de domicílios migrando para soluções com menor emissão de partículas e melhorando indicadores de saúde respiratória, medidos por levantamentos periódicos.
A política de clean cooking se articula com assistência social e saúde pública. Para funcionar, precisa de uma governança que reúna prefeituras, estados e União, além de parcerias com fabricantes e redes varejistas. Ferramentas digitais podem rastrear entregas, cruzando cadastros para garantir que os equipamentos cheguem às famílias com maior vulnerabilidade. No campo regulatório, padrões de segurança e desempenho mínimos para fogões e combustíveis serão definidos e atualizados regularmente, evitando a entrada de produtos de baixa qualidade e aumentando a vida útil dos aparelhos distribuídos.
Minerais críticos: do subsolo à indústria de maior valor agregado
A transição do setor de energia exige insumos minerais estratégicos. O Brasil quer posicionar projetos que vão além da extração, atraindo refinarias, plantas de processamento e fábricas de componentes. Lítio, níquel, cobalto, grafite, terras raras e cobre compõem o radar de oportunidades. A proposta é mapear áreas com maior viabilidade, acelerar licenças sem abrir mão de padrões técnicos e estimular consórcios que integrem minas, processamento e manufatura. Para reduzir riscos, o pacote deve incluir infraestrutura de apoio, como estradas, energia confiável e conectividade, além de treinamento para formação de mão de obra local.
O ganho de competitividade virá da previsibilidade. Contratos de fornecimento de longo prazo, com cláusulas de preço e qualidade, podem viabilizar investimentos em plantas de beneficiamento. Incentivos fiscais calibrados por etapa da cadeia ajudam a reduzir o “custo Brasil” sem criar assimetria permanente. O país também mira parcerias tecnológicas para domínio de processos complexos, como separação de terras raras e produção de materiais para baterias. O objetivo final é exportar produtos com maior valor unitário, diversificando a pauta e reduzindo a dependência de commodities in natura.
Financiamento: como destravar capital em escala
A agenda de energia precisa de crédito barato, prazos longos e mitigação de riscos. O Brasil pretende articular bancos públicos e multilaterais para oferecer garantias parciais, coberturas de risco político e mecanismos de hedge cambial. Isso reduz o custo do capital privado e permite que projetos avancem com taxas mais previsíveis. O pacote ainda inclui linhas específicas para infraestrutura de transmissão e distribuição, onde o retorno é mais estável, e instrumentos para financiar inovação em combustíveis de baixo carbono e eficiência energética, que carregam riscos tecnológicos maiores.
Outra alavanca é a padronização de contratos e dados. Modelos de PPA, termos de concessão e fichas técnicas de projetos apresentados em uma plataforma única aumentam a comparabilidade e facilitam a avaliação por investidores. Classificações independentes de maturidade — projeto conceitual, básico, detalhado, pronto para construção — dão clareza sobre estágio e necessidade de capital. Ao mesmo tempo, títulos rotulados para projetos de energia podem canalizar poupança doméstica, desde que contem com auditorias e relatórios claros sobre uso de recursos e desempenho técnico ao longo do tempo.
Medição e transparência: o que acompanhar até 2030
Sem medição, não há entrega verificável. A proposta brasileira deve listar indicadores simples e comparáveis: potência renovável contratada e efetivamente instalada; quilômetros de linhas de transmissão em operação; perdas técnicas e comerciais na distribuição; intensidade energética do PIB; domicílios atendidos por soluções de cozinha limpa; volume anual de investimentos privados mobilizados por garantias públicas; e número de empregos diretos e indiretos criados por segmento. A divulgação regular desses indicadores, com séries históricas, permitirá análises independentes e comparações entre países e regiões.
Os relatórios de progresso trimestrais devem combinar dados e narrativa operacional. Além de números, é importante explicar gargalos, como atrasos em licenças, indisponibilidade de equipamentos, problemas de logística ou restrições orçamentárias. A transparência também pede bases públicas de dados de geração, consumo e rede, com formatos adequados para análise. Isso reduz assimetrias de informação, aumenta a competição em leilões e apoia decisões de investimento mais rápidas, em linha com o espírito de uma Agenda de Ação voltada à execução.
Licenciamento, ordenamento territorial e diálogo social
Projetos de energia dependem de licenças, estudos e consultas. A proposta é criar rotas rápidas para empreendimentos com alto benefício público e baixo impacto, mantendo exigências técnicas. Calendários previsíveis, checklists padronizados e equipes dedicadas a grandes obras ajudam a reduzir incertezas e aumentar a qualidade das análises. Programas de compensação, planos de gestão e mecanismos de ouvidoria devem ser incorporados desde o início, evitando litígios e interrupções no meio do caminho.
Nas regiões que recebem empreendimentos, o Brasil quer reforçar pactos locais com metas de formação profissional, compras de fornecedores da região e investimentos em serviços públicos. A ideia é conectar a implantação de usinas, linhas e fábricas a oportunidades econômicas no entorno. Quando há sobreposição com áreas de uso tradicional, processos de consulta prévios, informados e com documentação transparente tendem a trazer segurança jurídica a todas as partes, preservando prazos e reduzindo custos de transação.
Integração regional e cadeias transfronteiriças de energia
A integração com vizinhos sul-americanos pode acelerar projetos e reduzir custos. Interligações elétricas, intercâmbio sazonal de energia e corredores logísticos para combustíveis de baixo carbono ampliam a confiabilidade dos sistemas e criam mercados maiores para novos produtos. O Brasil pretende defender rotas de escoamento e hubs de exportação que conectem plantas de produção a terminais marítimos, com padronização de especificações para aceitação internacional.
Em paralelo, iniciativas conjuntas de pesquisa e desenvolvimento em baterias, materiais condutores, catalisadores e processos de conversão podem reduzir dependência tecnológica. Plataformas regionais de testes e certificação, abertas a universidades e empresas, encurtam o ciclo entre protótipo e aplicação comercial. Ao partilhar infraestrutura de ensaios e laboratórios, países conseguem validar equipamentos e combustíveis com regras claras, acelerando homologações e abrindo portas para contratos de fornecimento de longo prazo.
Exemplos práticos e passo a passo para tirar projetos do papel
Para um parque eólico ou solar com escoamento em nova linha de transmissão, o roteiro básico inclui: due diligence fundiária; estudos de vento/irradiação e conexão; acordo de uso de área com cláusulas de coexistência; licenças em fases; contrato de construção com EPCistas qualificados; PPA com indexadores claros; e hedge cambial se houver importação relevante. Na parte financeira, garantias de performance e seguros de atraso reduzem riscos. Na operação, contratos de O&M com métricas de disponibilidade e planos de reposição de peças aumentam a confiabilidade e a geração efetiva.
Em um projeto de eficiência em edifícios comerciais, o passo a passo passa por diagnóstico energético, definição de metas de economia, pacote de retrofit (iluminação, HVAC, automação), medição e verificação segundo protocolos reconhecidos e contrato de desempenho, no qual o pagamento ao implementador depende da economia entregue. Para reduzir o custo de capital, títulos lastreados na economia de energia e garantias de performance são alternativas. Auditorias independentes reforçam a credibilidade dos resultados e podem ser incorporadas ao acordo voluntário como requisito para reportar economias.
Papel do G20 e das conversas preparatórias
As tratativas de energia ocorridas no G20 em 2024 deixaram um acervo de consensos que o Brasil pretende reaproveitar. Entre eles, a importância de cronogramas claros, métricas comparáveis e incentivo a investimentos em redes e eficiência. Encontros técnicos realizados ao longo de 2025, a exemplo de painéis em Nova York durante a semana de debates da Assembleia Geral da ONU, vêm servindo para alinhar linguagem e testar propostas. A presidência brasileira quer levar esse aprendizado para Belém com um roteiro de entregas curtas e verificáveis.
Esse acúmulo facilita a criação do acordo voluntário. Quando principais atores já concordam sobre linhas gerais — como a necessidade de mais transmissão, redução de perdas e padronização de dados — o diálogo passa a ser de implementação. O Brasil vê espaço para que governos subnacionais e empresas assinem compromissos próprios, desde que reportem resultados em uma plataforma comum. Assim, o pacto não depende apenas de negociações entre países, mas se espalha por setores produtivos e cadeias logísticas, gerando massa crítica.
Impacto para consumidores e empresas no dia a dia
Para os consumidores, a modernização de redes e a entrada de novas usinas tendem a elevar a confiabilidade e reduzir o custo marginal em horários de maior oferta, especialmente nos meses de vento e sol mais intensos. Programas de resposta da demanda podem oferecer descontos a quem deslocar consumo para fora do pico. Em edifícios e residências, o avanço da etiquetagem e padrões mínimos de desempenho estimula a troca por equipamentos que consomem menos, com impacto direto no orçamento doméstico ao longo da vida útil do produto.
Para as empresas, previsibilidade regulatória e contratos padronizados reduzem o custo de transação. A expansão de PPAs e a possibilidade de certificados de energia de origem rastreável dão flexibilidade à gestão de portfólio. Na indústria pesada, linhas de financiamento para substituição de caldeiras, recuperação de calor e eletrificação parcial ajudam a cortar custos operacionais. A adoção de sistemas de medição mais detalhados apoia decisões de manutenção e investimento, permitindo que gestores comparem unidades e priorizem intervenções com maior retorno.
Cronograma provável e marcos até o fim de 2025
Até a realização da COP30, prevista para o fim de 2025 em Belém, a presidência brasileira deve consolidar minutas do acordo voluntário, abrir consultas técnicas por tema e publicar listas de projetos com maturidade para receber investimento. A cada rodada, relatórios de progresso trarão o que avançou e onde ainda há entraves. O objetivo é chegar ao encontro com um pacote visível de obras, contratos assinados e metas de curto prazo em redes, renováveis e eficiência, sinalizando que a implementação já começou e não depende de um único ato final.
Após Belém, a continuidade será tão importante quanto o lançamento. Os próximos doze a dezoito meses devem priorizar a execução dos primeiros lotes de transmissão, o desembolso de linhas de crédito aprovadas e a expansão dos programas de eficiência e clean cooking. A ideia é manter o ciclo de entregas a cada trimestre, com métricas acessíveis, permitindo que cidadãos, investidores e gestores públicos acompanhem a evolução. Ao focar em resultados tangíveis, o Brasil busca aumentar a confiança no setor de energia e abrir caminho para novos investimentos de longo prazo.
Riscos, críticas e como o governo pretende responder
Qualquer acordo voluntário enfrenta questionamentos sobre ambição, governança e capacidade de entrega. A resposta passa por indicadores simples, auditorias independentes e consequências reputacionais para quem não cumpre o que prometeu. Além disso, é essencial evitar metas vagas. Em vez de dizer “ampliar eficiência”, o compromisso deve detalhar: quantos gigawatts-hora serão economizados, em quais setores e em que prazo. Já em combustíveis de baixo carbono, prazos realistas para construção de plantas industriais e certificação são vitais para que a oferta encontre demanda com contratos firmes.
No campo social, obras e usinas precisam ser acompanhadas de diálogo com comunidades e de programas de qualificação profissional. Na gestão pública, a coordenação entre União, estados e municípios é determinante para evitar sobreposições e atrasos. Na frente financeira, volatilidade de preços e taxas de juros exigem planejamento de longo prazo, com instrumentos de mitigação. Ao reconhecer esses riscos e tratá-los com medidas práticas, o Brasil quer consolidar uma agenda de energia orientada a resultados, com entregas verificáveis ao longo do caminho.
Última atualização em 13 de outubro de 2025