Especialistas alertam que o Brasil pode perder uma nova janela de negócios em minerais críticos se não avançar rápido na criação de uma política nacional capaz de tornar projetos “bancáveis”. O recado foi dado no Rio de Janeiro, em 8 de outubro de 2025, durante encontro promovido pela FGV Energia. As falas miram, sobretudo, lítio, níquel e terras raras — insumos centrais para baterias, eletrônica e equipamentos de alta precisão — e apontam para um ponto comum: sem instrumentos que reduzam risco e atraiam capital privado, empreendimentos ficam no papel.
O que está em jogo com lítio, níquel e terras raras
Lítio, níquel e terras raras estão na base de cadeias industriais que crescem a ritmo acelerado. São matérias-primas de baterias para veículos elétricos, sistemas de armazenamento, motores com ímãs permanentes, ligas metálicas e uma ampla gama de componentes eletrônicos. A demanda por esses materiais é pressionada pelo avanço da eletrificação e pela digitalização de processos em fábricas, logística, telecomunicações e mobilidade, o que amplia a relevância de quem domina suas cadeias. Para o Brasil, que tem reservas, conhecimento técnico em geologia e espaço para ampliar o parque metalúrgico, a oportunidade é combinar extração, processamento e fabricação de produtos intermediários e finais.
A competição, porém, é intensa. Países que adotam políticas industriais ativas desacoplam parte do risco dos projetos com garantias, compras governamentais, linhas de crédito de longo prazo e contratos que estabilizam preços. Essa camada de proteção reduz o custo de capital e encurta prazos de implantação. Sem mecanismos equivalentes, projetos brasileiros enfrentam volatilidade de preços, ciclos de commodities e incerteza de demanda, o que freia decisões de investimento, sobretudo na etapa de processamento e manufatura, em que o valor agregado é maior.
O que disseram os especialistas no encontro da FGV Energia (08/10)
No evento realizado em 8 de outubro de 2025, a pesquisadora Marisa Nascimento, do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), ressaltou a importância de adensar as cadeias produtivas e de reduzir a dependência de equipamentos importados na mineração e na metalurgia. O foco é elevar o grau de nacionalização e fortalecer elos de engenharia, manutenção e suprimentos, reduzindo custos logísticos e riscos de parada. Para ela, combater a desindustrialização e criar condições para a fabricação local de equipamentos caminham junto com a viabilização dos projetos minerais, porque os dois movimentos se retroalimentam.
Amynthas Gallo, consultor sênior de negócios em mineração no BNDES, defendeu a construção de instrumentos financeiros que deem “bancabilidade” aos empreendimentos. Segundo ele, não basta contar apenas com a atuação do banco público; é necessário montar uma arquitetura de garantias e de mitigação de risco capaz de atrair fundos privados, investidores estratégicos e credores internacionais. Gallo mencionou negociações em curso para um pipeline de R$ 46 bilhões com 56 empresas interessadas, originado de edital lançado em janeiro, com destaque para lítio e terras raras. O ponto sensível, afirmou, é o risco percebido, que mantém o custo de capital elevado e atrasa fechamentos financeiros.
Bancabilidade: por que os projetos patinam
Projetos de minerais críticos têm capex alto, maturação longa e exigem tecnologia específica na etapa de refino e separação. São investimentos que dependem de contratos de longo prazo, comprovação de qualidade do produto, rotas de escoamento confiáveis e, principalmente, previsibilidade de receita. Quando os preços internacionais oscilam com força, o fluxo de caixa projetado muda, e o financiador pede mais garantias. Se o país não oferece instrumentos para repartir parte desses riscos, as condições de crédito pioram, a alavancagem encolhe e o empreendedor precisa aportar mais capital próprio — o que, muitas vezes, inviabiliza o empreendimento.
A etapa de processamento é especialmente sensível. Produzir carbonato ou hidróxido de lítio com especificações para baterias, por exemplo, exige controle fino de impurezas e consistência de qualidade. Em terras raras, a separação e a purificação pedem know-how, reagentes, operação estável e gestão de subprodutos, além de clientes dispostos a assinar contratos de compra com cláusulas técnicas rígidas. Sem uma carteira de offtakes confiáveis, as metas de receita e de qualidade ficam expostas a riscos de mercado e de execução, dificultando o fechamento financeiro no padrão de project finance.
Fatores de risco mais citados por investidores
Na leitura de bancos e fundos, alguns pontos se repetem sempre que um projeto brasileiro chega à mesa de crédito. A primeira frente é a volatilidade de preços, que afeta baterias e componentes eletrônicos em ciclos curtos. A segunda é a incerteza tecnológica, especialmente quando a rota de processo ainda está em escala piloto ou quando depende de equipamentos de fornecedores exclusivos. A terceira é a dificuldade de garantir contratos robustos de fornecimento e de compra com prazos superiores a cinco anos. Essas travas, juntas, explicam boa parte da cautela observada nas diligências.
Há, ainda, riscos cambiais, custo de frete, exigência de certificação de origem e de rastreabilidade, além de prazos de licenças e autorizações que variam conforme a complexidade do empreendimento. Em vários casos, o investidor pede coberturas adicionais: seguros de performance, garantias corporativas, contas-reserva e testes de desempenho mais longos antes da liberação plena dos recursos. Esses pedidos aumentam o custo financeiro total e empurram a decisão de investimento para países que conseguem oferecer garantias públicas ou mecanismos de estabilização.
Ferramentas financeiras que podem destravar investimentos
Para transformar projetos técnicos em ativos financiáveis, governos e setor produtivo costumam combinar instrumentos. Um pacote eficaz pode incluir um fundo garantidor para cobrir parte do risco de crédito, contratos de diferença (que compensam o produtor quando o preço cai abaixo de um patamar acordado), seguros de preço vinculados a índices de mercado, equalização de taxas para alongar prazos e debêntures com incentivos tributários para atrair poupadores locais. A lógica é simples: reduzir a percepção de risco e, com isso, diminuir o custo de capital, acelerar cronogramas e ampliar a competição entre credores.
Na prática, também ajudam mecanismos de offtake estruturados — como contratos take-or-pay com garantias de performance e de qualidade — e o uso de instrumentos de pré-pagamento de exportação quando o comprador é grau de investimento. Em projetos com maior risco tecnológico, royalties e streaming podem ser calibrados para aliviar desembolsos no início de operação. Outro caminho é o envolvimento de agências de crédito à exportação de países compradores de equipamentos, o que barateia a importação e reduz gargalos de fornecimento até que a fabricação local de itens críticos ganhe escala.
Como funcionaria, na prática, um pacote de bancabilidade
Um desenho possível é combinar três pilares. No primeiro, um fundo garantidor cobre parte das perdas de um pool de projetos, com governança independente e critérios transparentes de elegibilidade. No segundo, um mecanismo de estabilização de preços, acionado apenas quando a cotação internacional ficou abaixo de um piso por período determinado, compensaria a diferença para manter o serviço da dívida. No terceiro, haveria uma carteira de contratos de offtake com compradores diversificados, negociados com cláusulas de entrega, qualidade e logística, reforçados por seguros de crédito comercial. Ao reduzir a variância de receita e proteger o fluxo de caixa, esse arranjo abre espaço para maior alavancagem e para a entrada de investidores institucionais.
Para projetos que pretendem produzir insumos químicos de maior valor agregado, uma linha de capital de giro pós-arranque também faz diferença. Esses recursos, liberados conforme marcos de performance, ajudam a estabilizar a qualidade do produto, a ganhar escala comercial e a cumprir exigências de homologação de clientes industriais. O resultado esperado é a rápida subida da curva de aprendizado e a construção de histórico operacional — condições que, mais à frente, permitem refinanciamentos em condições melhores no mercado de capitais.
PL 2780/2024 e a Política Nacional: o que se discute no Congresso e no governo
No Congresso, setores de mineração e energia apoiam a aprovação, ainda em 2025, do Projeto de Lei 2780/2024, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos. A proposta busca dar diretrizes, priorizar projetos e articular instrumentos para acelerar investimentos. Técnicos e empresas defendem que o texto final incorpore pontos como governança interministerial, metas claras, mecanismos financeiros e integração com políticas de inovação e compras públicas. A expectativa do mercado é que a lei ofereça previsibilidade e reduza incertezas regulatórias em uma agenda que cruza mineração, transformação e indústria.
No Executivo, o Ministério de Minas e Energia anunciou, em diferentes ocasiões, a intenção de publicar uma Política Nacional de Minerais Críticos. A cobrança dos participantes do encontro no Rio foi por prazos e medidas concretas, especialmente no componente financeiro. A avaliação é que a simples priorização setorial, sem instrumentos que alterem o custo de capital, não será suficiente para destravar a fila de projetos. Também foi defendido que a política venha acompanhada de metas de conteúdo local factíveis, estímulos à formação técnica e um pipeline público de projetos, organizado por estágio, produto e região.
Ajustes regulatórios demandados pelo setor
Empresas pedem padronização de exigências técnicas e de documentação ao longo do ciclo do projeto, com roteiros claros de análise de viabilidade, segurança operacional e comprovação de qualidade do produto. A previsibilidade nos prazos de autorizações é listada como ponto crítico, sobretudo quando há interações com órgãos de infraestrutura, transporte e uso de recursos hídricos. A simplificação de procedimentos, sem perda de rigor técnico, encurta cronogramas e melhora a percepção de risco de quem financia.
Outra demanda é a atualização de normas relacionadas a armazenamento, manuseio e transporte de reagentes e produtos químicos usados em rotas de processamento. Regras alinhadas a padrões internacionais ajudam a reduzir custos de compliance e evitam surpresas em auditorias de clientes estrangeiros. Operadores também defendem a criação de um balcão único de informações, com dados geológicos, infraestrutura disponível, capacidade de energia e água e oportunidades de integração industrial em cada região.
Indústria, pesquisa e conteúdo local: como adensar as cadeias no Brasil
A fala do CETEM no encontro mirou um ponto sensível: a dependência de equipamentos e insumos importados na mineração e na metalurgia fina. O adensamento produtivo começa por mapear componentes críticos — bombas especiais, válvulas, revestimentos, colunas de extração por solvente, sensores, sistemas de controle, materiais refratários — e construir demanda coordenada, para que fornecedores nacionais ganhem volume e escala. Isso passa por programas de desenvolvimento de fornecedores, engenharia de aplicação e encomendas tecnológicas que permitam testes em plantas-piloto e, depois, ciclos comerciais sob supervisão de qualidade.
Outra frente é a integração entre centros de pesquisa, universidades e empresas em projetos orientados para desafios específicos das rotas industriais. Isso inclui a otimização de reagentes, a redução de consumo de insumos, a estabilidade de processos, a automação de etapas críticas e a certificação metrológica de produtos. Ao construir núcleos de competência em processamento mineral e metalurgia, o país reduz custos, melhora a previsibilidade operacional e encurta o período de ramp-up, fatores que pesam positivamente na análise de risco dos financiadores.
Capacitação e tecnologia: bases para ganho de produtividade
A formação de técnicos, engenheiros e operadores para rotas de lítio, níquel e terras raras requer currículos ajustados à realidade da planta. Treinamentos em simulação de processos, controle avançado, instrumentação e segurança de processos reduzem erros, aumentam rendimento e elevam a qualidade final. Programas de capacitação em manutenção preditiva e confiabilidade de ativos, por sua vez, diminuem paradas não planejadas, evitam gargalos e melhoram o indicador de disponibilidade física de equipamentos críticos.
O uso de sistemas de supervisão, sensores online de pureza e ferramentas de análise de dados acelera a tomada de decisão no chão de fábrica. Com dados confiáveis, equipes conseguem identificar desvios antes que eles afetem a qualidade do produto, além de ajustar parâmetros para economizar insumos. Esse ganho operacional tem impacto direto no caixa e reforça a narrativa de que a produção brasileira pode ser competitiva, desde que haja escala, previsibilidade e acesso a crédito em condições compatíveis com o risco do negócio.
Geopolítica e contratos de offtake: o xadrez das escolhas comerciais
A disputa por cadeias de minerais críticos adiciona um elemento geopolítico às decisões de venda. Ao fechar um offtake com um grupo empresarial de um país, o produtor pode, na prática, limitar ou dificultar relações com compradores de outra região, que operam com preferências de origem e exigências de conformidade específicas. Foi esse o alerta feito por Amynthas Gallo: a seleção de um comprador preferencial pode fechar portas em outras mesas de negociação. A resposta sugerida pelos especialistas é diversificar compradores desde o início e desenhar contratos com flexibilidade para volumes e prazos, sem criar exclusividades que se tornem amarras estratégicas.
Cláusulas de qualidade, cronogramas de entrega, penalidades e mecanismos de resolução de controvérsias precisam estar claros nos offtakes para que bancos e investidores tenham segurança jurídica. O reforço por meio de seguros de crédito, cartas de crédito de bancos reconhecidos e, quando possível, garantias corporativas dos compradores, eleva a robustez dos contratos. Em mercados voláteis, uma cesta de preços de referência, com bandas de ajuste e fórmulas de indexação, ajuda a mitigar disputas e a manter o fluxo de caixa do projeto dentro de parâmetros aceitos pelo credor.
Boas práticas ao negociar offtake
Antes de assinar, equipes comerciais devem construir matrizes de risco que cruzem preço, qualidade, logística, moeda e origem. Essa matriz deve ser validada por engenharia, jurídico e finanças, para que cada cláusula reflita a capacidade real da planta. Em paralelo, é recomendável manter trilhas de negociação abertas com compradores de diferentes regiões, a fim de evitar dependência excessiva de um único mercado. A transparência sobre especificações, amostras e auditorias ajuda a acelerar homologações e encurta o tempo entre a produção e a receita contratual.
Outra prática é a construção de cláusulas de step-in para financiadores, permitindo que bancos intervenham em situações específicas para preservar o fluxo de caixa do projeto. Esse mecanismo, comum em project finance, dá conforto adicional aos credores, pois reduz a chance de ruptura contratual por divergências operacionais ou comerciais. Quando combinadas com auditorias independentes e indicadores de performance publicados periodicamente, essas medidas aumentam a confiança de todo o ecossistema.
Guia prático: roteiro de 12 a 24 meses para tirar projetos do papel
Empreendedores que miram lítio, níquel ou terras raras podem organizar a corrida por marcos de valor em um horizonte de um a dois anos. Nos primeiros três meses, a prioridade é fechar o escopo técnico do projeto: atualização de recursos e reservas, escolha da rota de processo, pilotos representativos e definição de especificações-alvo. Em paralelo, é hora de mapear fornecedores críticos, desenhar a logística de insumos e produtos e fazer o primeiro contato com potenciais compradores, apresentando amostras e cronogramas de qualificação.
Do quarto ao nono mês, a meta passa por consolidar estudos de viabilidade e iniciar a contratação de pacotes de engenharia. É o momento de intensificar testes em planta-piloto, validar parâmetros de qualidade e negociar memorandos de entendimento de offtake, com termos comerciais e técnicos. Na frente financeira, monta-se um data room com relatórios, laudos e minutas, de forma a padronizar a diligência dos bancos. Com base no risco apurado, definem-se as garantias e os instrumentos de mitigação buscados junto a bancos de desenvolvimento, fundos garantidores e seguradoras de crédito.
Entre o décimo e o décimo oitavo mês, o foco é fechar contratos EPC ou EPCM, consolidar offtakes vinculantes e detalhar o plano de comissionamento e ramp-up. Também é a fase de preparar o pacote para mercado de capitais — debêntures, FIDC, project bonds — e de definir a estratégia cambial, inclusive com contas em moeda estrangeira, se necessário. Ao mesmo tempo, equipes de operação e manutenção são contratadas e treinadas, e são definidos os protocolos de qualidade, rastreabilidade e amostragem que farão parte dos contratos de venda.
Do décimo oitavo ao vigésimo quarto mês, a meta é iniciar comissionamento, homologar compradores e rodar a planta dentro das especificações. Um plano de capital de giro vinculado a marcos de performance reforça o caixa na fase inicial, quando ajustes são frequentes. Relatórios de performance técnica e financeira devem ser compartilhados com credores e investidores para dar visibilidade ao atingimento de metas de recuperação, consumo específico e qualidade. Com histórico positivo, abre-se espaço para refinanciamento e redução do custo financeiro total do projeto.
Gargalos domésticos: infraestrutura, energia e logística do minério ao produto final
Projetos competitivos dependem de uma malha de infraestrutura eficiente. A disponibilidade de energia estável, água industrial e rotas de escoamento por rodovias, ferrovias e portos impacta diretamente prazos e custos. Em certas regiões, faltam subestações, dutos e acessos pavimentados até áreas industriais. A solução envolve planejamento regional, acordos com concessionárias e, quando viável, parcerias para compartilhar infraestrutura com outros empreendimentos. Quanto mais cedo essas variáveis forem mapeadas, menor o risco de atrasos e de custos adicionais durante a implantação.
Na logística externa, é decisivo reservar capacidade portuária e armazenagem alinhadas aos cronogramas de produção. Produtos químicos de alta pureza e concentrados com especificações rigorosas pedem embalagens, contêineres e controles dedicados. A coordenação entre operadores portuários, transportadoras e clientes é vital para evitar gargalos e penalidades contratuais por atraso. Empresas que se antecipam e fecham janelas de embarque, seguros e inspeções independentes costumam atravessar com menos sobressaltos a fase de escalada comercial.
O papel do BNDES e de financiadores privados
O BNDES estruturou um pipeline de R$ 46 bilhões em projetos de minerais críticos, com 56 empresas, a partir de chamada lançada no início do ano. A sinalização é relevante por indicar volume e diversidade de propostas. O desafio, segundo o banco, é transformar essa carteira em operações com fechamento financeiro, o que requer uma camada de mitigação de risco além do crédito tradicional. A criação de fundos garantidores setoriais, combinados com offtakes robustos, tende a induzir a entrada de financiadores privados, inclusive investidores institucionais que buscam ativos de longo prazo.
Para o capital privado, a presença do banco público como âncora — seja no crédito, seja na garantia — funciona como validação técnica e de governança. Operações estruturadas com compartilhamento de risco, marcos de performance e mecanismos de step-in ampliam o apetite e podem reduzir spreads. Em paralelo, instrumentos de mercado de capitais doméstico, como debêntures e FIDCs, ajudam a distribuir risco e a diversificar a base de investidores, dando profundidade ao financiamento e reduzindo a dependência de uma única fonte de recursos.
Como empresas podem se preparar para captar melhor e mais rápido
A qualidade do data room é determinante. Estudos de viabilidade atualizados, amostras certificadas, laudos independentes, contratos e minutas padronizadas encurtam a diligência. Um cronograma realista, com folgas para etapas críticas, dá confiança a credores e investidores. No comercial, avançar em offtakes com compradores de diferentes regiões e perfis reduz concentração e melhora a percepção de risco. Quanto mais previsível o fluxo de caixa, melhor a avaliação do financiador e maior a chance de fechar o pacote de crédito em condições competitivas.
Também vale investir em governança e transparência. Relatórios periódicos, conselhos com independência, políticas de integridade e controles internos sólidos impactam positivamente o custo de capital. Em setores com cadeias longas e sensíveis, a rastreabilidade de origem e a padronização de dados operacionais são diferenciais, porque facilitam auditorias e homologações internacionais. Empresas que chegam às mesas de crédito com esses pilares maduros tendem a encurtar prazos e a obter limites de alavancagem mais favoráveis.
Perguntas e respostas rápidas
O que significa “bancabilidade”? É a capacidade de um projeto gerar confiança e previsibilidade suficientes para que bancos e investidores aprovem financiamento. Envolve qualidade técnica, contratos de compra e venda robustos, garantias, governança e um fluxo de caixa capaz de suportar a dívida com folga. Em minerais críticos, essa avaliação pesa mais porque os preços internacionais variam e a etapa de processamento é exigente.
Quais instrumentos ajudam a reduzir o risco percebido? Fundos garantidores, contratos de diferença para preço mínimo, seguros de crédito, offtakes take-or-pay com garantias, apoio de agências de crédito à exportação e linhas de longo prazo com prazos compatíveis à maturação do projeto. O objetivo é diminuir a variância de receitas e dar proteção ao serviço da dívida ao longo de ciclos de preço.
Por que lítio, níquel e terras raras são citados com mais frequência? Porque compõem cadeias em expansão acelerada, ligadas à eletrificação e à indústria eletrônica. São insumos de alto valor por tonelada e exigem processamento sofisticado para atingir especificações comerciais. Isso cria espaço para maior agregação de valor e para a instalação de plantas químicas e metalúrgicas integradas ao território, desde que haja escala e previsibilidade de demanda.
Qual é o risco de depender de um único comprador? A concentração limita poder de barganha e pode restringir a entrada em outros mercados, principalmente quando há preferências de origem e requisitos específicos por região. Diversificar contratos de offtake e manter flexibilidade de volumes reduz esse risco e melhora a avaliação de financiadores.
O que muda para municípios e estados com novos projetos? A chegada de plantas de processamento e de fornecedores locais cria empregos qualificados e demanda serviços logísticos, de engenharia, manutenção e transporte. Também amplia a arrecadação e incentiva a formação de arranjos produtivos regionais. Para capturar esses benefícios, é essencial alinhar formação de mão de obra e planejamento de infraestrutura com os cronogramas dos empreendimentos.
Como pequenas e médias empresas podem participar? Por meio de programas de desenvolvimento de fornecedores, consórcios para atender especificações técnicas, certificações e participação em plantas-piloto. A fabricação local de componentes, serviços de manutenção especializada e a prestação de serviços de metrologia e análise laboratorial são portas de entrada frequentes em cadeias de alto valor.
Casos de uso: onde o valor agregado aparece
No lítio, a produção de compostos químicos de qualidade para baterias tem prêmio de preço em relação ao concentrado. A instalação de unidades de transformação próximas às minas pode reduzir custo logístico, agilizar a resposta a especificações de clientes e abrir espaço para fábricas de componentes de baterias. Em níquel, ligas especiais para aplicações industriais e produtos intermediários com granulometria e pureza controladas capturam fatias maiores de valor. Já em terras raras, o domínio da separação e da purificação permite integrar a montadoras de ímãs permanentes e fabricantes de motores e geradores de alta eficiência.
Esses encadeamentos pedem padronização, ensaios e certificações, além de uma rede de laboratórios e de metrologia apta a atestar qualidade de forma independente. Com esse ecossistema, fornecedores locais conseguem homologar produtos e disputar contratos globais. O reflexo é um efeito multiplicador sobre emprego qualificado, exportações e arrecadação em diversos elos da cadeia.
Métricas que importam para quem financia
Financiadores olham para alguns indicadores-chave ao analisar um projeto. O primeiro é a relação reserva/produção, que indica vida útil e sustenta contratos de longo prazo. O segundo é o custo caixa por unidade produzida, comparado a pares internacionais. O terceiro é a robustez do cronograma, com margens para comissionamento e ramp-up. A combinação desses fatores com offtakes firmes e garantias adequadas define a alavancagem possível e a taxa de juros final.
Outro ponto central é a consistência das amostras e dos testes-piloto. Ensaios independentes que confirmem o atingimento de especificações e a estabilidade do processo reduzem a percepção de risco tecnológico. Em paralelo, uma boa engenharia de confiabilidade e planos de manutenção aumentam a disponibilidade de ativos, elevando o fator de capacidade e dando previsibilidade ao caixa. Essas métricas, apresentadas de forma transparente, costumam acelerar aprovações internas em comitês de crédito.
Compras públicas e demanda coordenada: a alavanca que falta
Uma forma de dar tração à indústria de minerais críticos é coordenar demanda. Compras públicas para aplicações que utilizem ligas e componentes fabricados no país ajudam a gerar volume inicial e a ancorar decisões de investimento. Editais que valorizem desempenho e conteúdo local possível, sem criar barreiras intransponíveis, direcionam a curva de aprendizado para dentro do território, fazendo com que fornecedores nacionais ganhem escala e experiência em prazos mais curtos.
Setores como transporte, telecomunicações e defesa são compradores potenciais de produtos com alto valor agregado que dependem de lítio, níquel e terras raras. Ao prever parâmetros técnicos e cronogramas realistas, a administração pública pode funcionar como cliente âncora em fases iniciais, quando o risco percebido é maior. Essa demanda coordenada se soma aos instrumentos financeiros para criar um ambiente de investimento mais previsível e competitivo.
O que observar nos próximos meses
O calendário político e empresarial até o fim de 2025 tende a ser decisivo. No Legislativo, o avanço do PL 2780/2024 indicará o grau de prioridade da pauta e o desenho final dos instrumentos propostos para minerais críticos. No Executivo, sinais concretos sobre a publicação da política nacional e, sobretudo, sobre a criação de um fundo garantidor e de mecanismos de estabilização de preços serão acompanhados de perto por empresas e financiadores. A cada anúncio, investidores recalibram premissas de custo de capital e de cronograma, o que pode acelerar ou adiar decisões de implantação.
Do lado do mercado, vale acompanhar fechamentos de offtake por produtores brasileiros, lançamentos de plantas-piloto que migram para escala comercial e a evolução do pipeline do BNDES. Se a combinação de garantias, contratos e crédito de longo prazo ganhar corpo, projetos sairão do papel com maior previsibilidade. A janela de oportunidade existe, mas o tempo conta: o país que conseguir reduzir risco primeiro tende a capturar mais investimento, tecnologia e empregos qualificados ao longo das cadeias de lítio, níquel e terras raras.
Última atualização em 14 de outubro de 2025