A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirmou que o agronegócio do país compete em condições legítimas no mercado internacional e negou acusações de prática desleal de comércio contra os Estados Unidos. A declaração foi feita em audiência pública conduzida pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) na quarta-feira, 3 de setembro de 2025, em Washington. Segundo a entidade, a expansão do setor no Brasil ocorreu com base em produtividade, tecnologia e respeito às normas em vigor.
O encontro integra a investigação aberta sob a Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana, dispositivo que permite ao governo dos EUA apurar condutas consideradas “desleais ou discriminatórias” e, se necessário, adotar medidas unilaterais. A CNA disse ter apresentado argumentos técnicos e registros formais para rebater pontos levantados pela parte norte-americana. O foco recaiu sobre três eixos: “Tarifas Preferenciais”, “Acesso ao Mercado de Etanol” e “Desmatamento ilegal”.
Resumo do que foi dito na audiência
A diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori, representou a entidade na sessão pública. Ela afirmou que os produtores brasileiros seguem a legislação doméstica e as regras do comércio global. De acordo com o relato, a competitividade do campo no Brasil é resultado de vantagens naturais do território, gestão de custos, pesquisa aplicada e difusão tecnológica. Em seu posicionamento, rejeitou a narrativa de que empresas e cooperativas do país dependeriam de práticas irregulares para acessar o mercado norte-americano.
A CNA também destacou a presença de marcos regulatórios internos que estabelecem regras de uso do solo e de produção no campo. Segundo a entidade, o cumprimento dessas normas é acompanhado por órgãos de fiscalização e por sistemas de transparência. Na avaliação da confederação, esse arcabouço preserva previsibilidade para investimentos e dá segurança a cadeias de suprimento globais que compram do Brasil.
Seção 301: o que é, como funciona e por que afeta o agro
A Seção 301 é um instrumento da legislação comercial dos Estados Unidos que autoriza o Poder Executivo a investigar políticas de outros países consideradas incompatíveis com os interesses norte-americanos. O procedimento costuma começar com um pedido oficial, seguido de coleta de informações, contribuições escritas de interessados, audiência pública e relatório técnico do USTR. Ao final, o governo pode concluir que não há infração, negociar compromissos bilaterais ou impor medidas próprias, como tarifa adicional ou restrições a produtos e setores específicos.
Investigações desse tipo têm impacto direto em cadeias agrícolas por causa da relevância do comércio de alimentos, fibras e biocombustíveis entre Brasil e EUA. Tais cadeias operam com contratos de longo prazo, exigem logística integrada e dependem de previsibilidade de custos. A possibilidade de sobretaxa ou de novas exigências regulatórias altera decisões de compra, formação de estoques, prazos de embarque e planejamento de safras. É por isso que associações setoriais — tanto brasileiras quanto norte-americanas — tendem a participar ativamente das etapas de consulta pública para expor dados, apresentar estudos e antecipar efeitos potenciais.
O que a CNA levou ao processo: documentos e argumentos centrais
Como parte da atuação no caso, a CNA protocolou uma manifestação formal em 15 de agosto de 2025 com foco em três frentes. No tema “Tarifas Preferenciais”, a entidade sustentou que o Brasil tem uma rede limitada de acordos comerciais com reduções de tarifa para o agro. A confederação citou que, no segmento, apenas 5,5% das exportações brasileiras acessam alíquotas reduzidas. A leitura da entidade é que, por si só, esse dado desmonta a tese de que o país dependeria de concessões especiais para vender ao exterior. Segundo a CNA, o desempenho exportador se apoia mais em produtividade e competitividade intrínseca do que em benefícios tarifários pontuais.
No item “Acesso ao Mercado de Etanol”, a entidade buscou reequilibrar a discussão com números de comércio recente. De acordo com o relato apresentado, em 2024 o Brasil importou dos Estados Unidos volume de etanol 17 vezes maior do que o adquirido da Índia, enquanto o México não registrou exportações relevantes ao mercado brasileiro. Para a CNA, esse histórico desafia a ideia de fechamento do mercado doméstico e ilustra complementaridade entre as duas economias. Já no eixo “Desmatamento ilegal”, a confederação apontou que o país possui regras específicas de uso do solo e mecanismos de controle para coibir infrações. Conforme a entidade, instrumentos como cadastros rurais e exigências de áreas protegidas dentro de propriedades privadas compõem uma estrutura que condiciona a produção ao cumprimento da lei.
O que foi dito pela entidade na sessão pública
Durante a audiência de 3 de setembro de 2025, Sueme Mori reforçou que os produtores brasileiros operam sob “normas rigorosas de conformidade”, com foco em segurança e qualidade dos alimentos. Segundo a representante, o setor adota controles internos e presta contas a compradores internacionais por meio de documentação e rastreabilidade. Para a CNA, esse conjunto de práticas reduz riscos logísticos e assegura padrão de entrega, fatores valorizados por importadores dos EUA e de outros mercados.
A diretora também mencionou a relação de interdependência entre as economias. De um lado, os Estados Unidos são o terceiro principal destino das exportações do agro brasileiro; de outro, o Brasil compra insumos, máquinas e sementes de empresas norte-americanas. Segundo a confederação, em 2024 o país importou mais de US$ 1,1 bilhão nessas categorias. A avaliação da entidade é que a parceria gera emprego e renda em ambos os lados e melhora a eficiência de cadeias produtivas. Por isso, defendeu que eventuais divergências sejam tratadas com base em evidências e diálogo técnico.
Tarifas preferenciais, MFN e por que isso importa
A discussão sobre “Tarifas Preferenciais” envolve como cada país estrutura seus acordos comerciais. Existem duas portas de entrada para bens estrangeiros: as preferências negociadas em acordos e a tarifa padrão aplicada ao conjunto de parceiros, conhecida como Nação Mais Favorecida (MFN, na sigla em inglês). Quando uma economia tem muitos acordos, aumenta o número de produtos que entram com tarifa reduzida. No caso brasileiro, a CNA sustenta que a rede é limitada e que a maior parte das vendas externas do agro enfrenta a alíquota devida, sem benefício adicional. Isso, na visão da entidade, evidencia que o ganho competitivo não depende de atalhos tarifários.
Do lado das importações, a confederação afirma que mais de 90% dos bens que o Brasil compra do exterior seguem a regra MFN, o que tende a assegurar trato equânime a fornecedores, inclusive norte-americanos. Na leitura do setor, essa estrutura reduz margem para alegações de que haveria discriminação contra produtos dos Estados Unidos. A discussão é técnica, mas tem efeito prático: tarifas influenciam preço final, repasse de custos e decisão de compra. Para produtores e indústrias, previsibilidade tributária ajuda a planejar safra, contratos e logística de escoamento.
Etanol: números, sazonalidade e complementaridade entre Brasil e EUA
O etanol é um capítulo à parte na relação bilateral. O Brasil é grande produtor de biocombustível à base de cana, enquanto os Estados Unidos têm forte indústria a partir do milho. Essa diferença de matéria-prima cria ciclos próprios de oferta e demanda. Em períodos de entressafra, aumentam as importações para suprir o consumo interno ou compor mistura obrigatória na gasolina. Foi nesse contexto que a CNA apresentou dados de 2024 para mostrar que o mercado brasileiro não está fechado a fornecedores norte-americanos.
Segundo a entidade, as compras brasileiras de etanol produzido nos EUA foram 17 vezes superiores às aquisições vindas da Índia, e o México não registrou exportações relevantes ao Brasil. Para a confederação, isso aponta que há espaço de complementaridade entre as duas economias e que a política doméstica de combustíveis convive com o comércio exterior. Na prática, esse equilíbrio ajuda a estabilizar preços internos e a garantir abastecimento. Em contrapartida, eventuais medidas restritivas elevariam custos logísticos, pressionariam distribuidoras e poderiam afetar a competição no mercado de combustíveis.
Uso do solo, controle de infrações e obrigações legais no campo
No debate sobre “desmatamento ilegal”, a CNA argumentou que o Brasil possui instrumentos legais específicos para inibir infrações. Entre eles, citou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como base declaratória que mapeia os imóveis rurais e serve de insumo para análise de conformidade. Além do CAR, produtores devem observar áreas de preservação obrigatória e manter percentuais mínimos de cobertura dentro da propriedade, a chamada reserva legal. A entidade sustenta que esses requisitos condicionam acesso a crédito, licenças e programas de regularização, o que cria incentivos para cumprir a lei.
Na fala de Washington, a confederação apresentou o Código Florestal como um marco que estrutura as obrigações de uso do solo no país. Pelo relato, o Brasil mantém ampla extensão de cobertura vegetal, com parcela significativa dentro de propriedades privadas por exigência legal. Para a CNA, esse desenho normativo é suficiente para demonstrar que a produção agropecuária no país respeita parâmetros definidos em lei e que transgressores estão sujeitos a sanções administrativas e criminais. A entidade afirma que, nessas condições, não procede a tese de vantagem competitiva obtida por condutas ilícitas.
Impactos possíveis para cadeias de soja, carnes, açúcar e algodão
Embora a audiência tenha caráter técnico, o setor acompanha de perto impactos potenciais. A imposição de sobretaxas amplia custo de entrada no mercado e pode redirecionar fluxos comerciais. Na soja e em seus derivados, a sensibilidade é alta porque contratos envolvem grandes volumes e margens pequenas. Em carnes, as plantas exportadoras precisam se adequar a protocolos sanitários e a prazos de habilitação, o que torna eventuais barreiras ainda mais onerosas. Pequenas variações de custo logístico ou tributário afetam a viabilidade de operações e a ocupação de frigoríficos.
No açúcar e no etanol, a dinâmica depende de paridade com a gasolina, safra de cana e câmbio. Medidas restritivas podem alterar essa equação. No algodão, a indústria têxtil norte-americana compra matéria-prima de diversos fornecedores e se move rapidamente diante de mudanças de preço relativo. Por isso, decisões unilaterais tendem a provocar respostas de mercado: diversificação de origens, renegociação de contratos e maior uso de hedge em bolsas para travar preços. O efeito final se espalha para fretes, armazenagem e seguros marítimos.
Como avança o processo: etapas, prazos e possíveis desfechos
Depois da audiência pública, o USTR costuma consolidar as contribuições recebidas e produzir uma análise técnica. Em geral, o documento final descreve as práticas sob investigação, avalia o impacto sobre a economia norte-americana e traz recomendações. Com base nisso, a Casa Branca decide se adota medidas unilaterais, se abre negociação direta com o governo estrangeiro ou se arquiva o caso. O cronograma pode variar conforme a complexidade do tema e a quantidade de informações recebidas na fase consultiva.
Para empresas e produtores, há três cenários. No primeiro, nenhuma mudança: mantém-se o status quo, com continuidade dos fluxos comerciais. No segundo, surgem exigências específicas ou compromissos bilaterais para aperfeiçoar rotinas de verificação de conformidade. No terceiro, são aplicadas tarifas adicionais ou restrições a produtos e setores. Em qualquer hipótese, o setor privado costuma preparar planos de contingência: diversificar destinos, ajustar mix de produtos, revisar prazos de embarque e buscar linhas de crédito para capital de giro quando a volatilidade aumenta.
O que dizem especialistas e como empresas se preparam
Consultores de comércio exterior costumam recomendar que exportadores e importadores acompanhem o processo oficialmente e mapeiem cláusulas contratuais sensíveis. Entre os pontos críticos estão preço FOB, Incoterms, janelas de embarque e repartição de custos adicionais em caso de novas tarifas. Outro cuidado é avaliar exposição cambial e revisar políticas de hedge para dolarizar despesas ou travar receitas quando necessário. Empresas com fluxo cruzado — que exportam e importam — tendem a olhar para o balanço de moeda estrangeira como um todo.
No campo operacional, embarcadores podem negociar slots com armadores para garantir espaço em navio e reduzir risco de rolagem de carga se houver pico de demanda. Na logística interna, vale revisar estoques estratégicos, capacidade de armazenagem e contratos de transporte rodoviário e ferroviário. Se a cadeia usa insumos importados de alto valor, uma alternativa é antecipar compras essenciais para evitar gargalos. Já do lado dos compradores nos EUA, varejistas e indústrias tendem a ampliar o número de fornecedores habilitados para manter abastecimento em caso de restrições pontuais.
Perguntas e respostas: pontos-chave do caso em linguagem direta
O que está sendo investigado? O USTR analisa se práticas ligadas a tarifas preferenciais, acesso ao mercado de etanol e combate a desmatamento ilegal criam vantagem indevida a produtos brasileiros ou dificultam a entrada de itens dos EUA no Brasil. A CNA nega as acusações e diz que as regras nacionais resguardam concorrência leal.
O que a CNA apresentou até agora? Uma manifestação protocolada em 15 de agosto de 2025 e participação na audiência de 3 de setembro. A entidade afirma que apenas 5,5% das exportações do agro brasileiro usam alíquotas preferenciais, que o Brasil compra etanol dos EUA em volume relevante e que existem obrigações legais para coibir infrações no uso do solo.
O que pode acontecer adiante? O USTR pode não adotar medidas, negociar ajustes com o governo brasileiro ou propor sobretaxas e outras restrições. Empresas devem monitorar prazos, avaliar contratos e simular impactos de tarifas em margens e preços.
Há risco imediato para as exportações? A resposta depende do desfecho da investigação. Enquanto o processo estiver em curso, operações seguem as regras vigentes. O setor recomenda planejamento com cenários para evitar rupturas se houver mudança repentina.
A visão da CNA sobre a parceria Brasil–EUA
A confederação afirma que Brasil e Estados Unidos se beneficiam de uma relação complementar. O argumento é que o mercado norte-americano compra produtos agropecuários brasileiros, enquanto o campo no Brasil depende de tecnologia, maquinário e insumos fornecidos por empresas dos EUA. A entidade defende que regras claras e previsibilidade tributária mantêm a vitalidade desse fluxo. O discurso aposta em pragmatismo: preservar rotina de negócios, reduzir atritos e resolver divergências com base em dados verificáveis.
Em Washington, a CNA reforçou disposição para diálogo técnico e apresentou o setor como um conjunto diverso, que inclui pequenos, médios e grandes produtores. A mensagem central foi que a competitividade brasileira decorre de recursos produtivos, evolução tecnológica e gestão no campo. A entidade diz estar aberta a cooperar com autoridades dos dois países para aperfeiçoar mecanismos de verificação, ampliar a transparência e assegurar que o comércio siga parâmetros acordados internacionalmente.
O que observar a partir de agora
Para produtores, tradings e indústrias, o ponto de atenção é o cronograma do USTR após a audiência de 3 de setembro de 2025. Normalmente, as equipes técnicas compilam as falas, avaliam documentos e publicam um relatório. Enquanto isso, agentes privados podem enviar contribuições adicionais se houver abertura de prazos complementares. O diálogo entre autoridades de Brasil e Estados Unidos também tende a se intensificar nos bastidores, especialmente se forem necessários esclarecimentos sobre normas internas e métodos de verificação no campo.
No curto prazo, empresas avaliam formatos de cobertura cambial, frete e seguro, além de cenários de estoque e financiamento. No médio prazo, grupos com presença global podem redistribuir rotas e reavaliar mix de produtos por mercado. A leitura predominante no setor privado é que previsibilidade e coordenação institucional reduzem custos, preservam empregos e garantem abastecimento contínuo. É nessa direção que a CNA diz atuar, defendendo que os próximos passos considerem dados técnicos, impacto para consumidores e efeitos em toda a cadeia.
Última atualização em 10 de setembro de 2025