Combate a devedores contumazes no setor de combustíveis enfrenta desafios legais e impactos no mercado.

Combate a devedores contumazes no setor de combustíveis enfrenta desafios legais e impactos no mercado.

O Combate ao Devedor Contumaz no Setor de Combustíveis: Impactos, Desafios e Fundamentos Jurídico-Constitucionais

O setor de combustíveis, tanto os fósseis quanto os renováveis, desempenha um papel crucial na matriz energética brasileira. Com os derivados de petróleo respondendo por 37% do suprimento energético e os biocombustíveis por 33%, a importância econômica e estratégica deste setor é inegável. Essa relevância, combinada com a extensa cadeia de distribuição e a influência direta no desenvolvimento nacional e na redução da pobreza, exige uma atenção especial ao seu regime jurídico.

A complexidade do tema é refletida na legislação constitucional, que aborda o setor em diversos dispositivos. O artigo 177 da Constituição Federal atribui à União o monopólio sobre a produção, refino, importação e transporte de petróleo e seus derivados. Paralelamente, o artigo 238 exige uma lei específica para regular a venda e revenda de combustíveis. Além disso, o artigo 146-A, introduzido pela Emenda Constitucional 42/2003, autoriza a criação de “critérios especiais de tributação” para coibir desequilíbrios concorrenciais, demonstrando a preocupação do legislador em manter a ordem no mercado.

A Evolução da Regulação e os Desafios Persistentes

Apesar de sua inegável importância, o tema do abastecimento de combustíveis tem recebido historicamente menos atenção da doutrina jurídica do que mereceria. Isso se deve, em parte, à longa predominância de uma única empresa no setor, a Petrobras, e à evolução gradual da regulação ao longo do tempo. No entanto, essa aparente estabilidade não eliminou os desafios subjacentes, como a necessidade de garantir a concorrência e combater práticas ilícitas.

Marcos regulatórios importantes, como a extinção do Conselho Nacional do Petróleo em 1990 e sua substituição pelo Departamento Nacional de Combustíveis, sinalizaram o início de uma abertura do mercado. No entanto, o controle de preços, que persistiu por algum tempo, dificultou a concorrência efetiva e favoreceu práticas como a adulteração de combustíveis, demonstrando que a regulação do setor é um processo contínuo e complexo.

O Impacto da Lei do Petróleo e a Criação da ANP

A Lei do Petróleo de 1997 e a criação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) representaram um avanço significativo na regulação do setor. Ao prever a liberalização dos preços e instituir uma agência reguladora com foco na garantia do suprimento, o governo buscou modernizar o marco regulatório e promover a concorrência. No entanto, a crença de que o abastecimento estaria sempre assegurado, seja pela Petrobras, seja pelas forças do mercado, manteve o tema relativamente marginalizado no debate público.

Eventos recentes, como a greve dos caminhoneiros em 2018 e a pandemia de COVID-19 em 2020, demonstraram de forma dramática os riscos de desabastecimento e reacenderam o debate sobre a natureza essencial dos combustíveis e os problemas associados a interrupções na cadeia de suprimento. Esses eventos ressaltaram a necessidade de um acompanhamento constante e de medidas preventivas para garantir a segurança energética do país.

A Ameaça do Devedor Contumaz e Seus Múltiplos Efeitos

No cenário complexo e desafiador do setor de combustíveis, surge a figura do devedor contumaz. Este agente econômico, de maneira deliberada e reiterada, opta por não recolher tributos, não por dificuldades financeiras, mas sim como uma estratégia de negócio. Essa prática nefasta desencadeia uma série de efeitos negativos que reverberam em toda a sociedade.

O primeiro impacto, e talvez o mais evidente, é a drástica redução na arrecadação tributária. Estima-se que os passivos decorrentes dessa prática ultrapassem os R$ 240 bilhões, um montante equivalente a três vezes o orçamento destinado a obras públicas pela União. Essa quantia astronômica, concentrada em um grupo restrito de pouco mais de mil contribuintes, representa um desfalque significativo nos cofres públicos, comprometendo investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.

Dumping Fiscal e a Corrosão da Concorrência Leal

O segundo efeito perverso da atuação do devedor contumaz é o chamado “dumping fiscal”. Ao comercializar combustíveis com tributos sonegados, o infrator consegue oferecer preços artificialmente baixos, corroendo as margens de lucro de seus concorrentes que cumprem rigorosamente suas obrigações fiscais. Essa concorrência desleal expulsa os agentes adimplentes do mercado, desestimulando novos investimentos e concentrando o poder econômico nas mãos de quem burla o sistema.

Essa prática predatória não apenas prejudica as empresas honestas, mas também afeta a imagem do setor como um todo, minando a confiança dos investidores e dificultando a atração de novos empreendimentos. A longo prazo, o “dumping fiscal” pode levar à estagnação do mercado, com a redução da oferta e o aumento dos preços para o consumidor final.

A Infiltração Criminosa e a Lavagem de Dinheiro

A liquidez característica do setor de combustíveis o torna um terreno fértil para a infiltração de organizações criminosas. A sonegação de impostos e a venda de combustíveis adulterados servem como plataforma para a lavagem de dinheiro, a aquisição de armamentos e o financiamento de atividades ilícitas. Estimativas apontam que os ganhos obtidos com a operação de combustíveis ilegais já superam em mais de três vezes os lucros provenientes do tráfico de drogas.

Essa simbiose entre o crime organizado e o setor de combustíveis representa uma grave ameaça à segurança pública e à estabilidade econômica do país. A concorrência desleal imposta pelas organizações criminosas distorce o mercado, prejudica as empresas honestas e aumenta o risco de violência e corrupção.

Sonegação, Inflação e o Desequilíbrio Fiscal

A sonegação de impostos, como praticada pelos devedores contumazes, pode ter um impacto significativo na inflação. A redução da arrecadação, causada pelo não pagamento intencional de impostos, pode levar a déficits fiscais e distorções no mercado, aumentando as pressões inflacionárias. Países que não arrecadam impostos de forma eficiente ficam sujeitos a desequilíbrios fiscais, muitas vezes precisando emitir moeda para compensá-los, o que pode gerar uma espiral inflacionária.

A sonegação cria um ambiente competitivo desleal, pressionando os agentes que cumprem suas obrigações fiscais a reduzir artificialmente os preços para se manterem no mercado. Esse desequilíbrio pode levar à saída de empresas relevantes, resultando em maior concentração de mercado e favorecendo práticas de manipulação de preços por um número restrito de “players”. A falta de recursos para o Erário também limita a capacidade estatal de fiscalização, afetando o financiamento de órgãos como a ANP e outros mecanismos de controle setoriais.

Instrumentos Legais Existentes e Suas Limitações

Embora existam diversos instrumentos legais para combater a sonegação fiscal, como sanções administrativas derivadas de normas estaduais e os crimes contra a ordem tributária e econômica previstos na Lei 8.137/1990, eles se mostram insuficientes para lidar com a sofisticação dos devedores contumazes. Esses agentes econômicos utilizam estratégias complexas para burlar a lei, como o abuso do direito de defesa, a sucessão fraudulenta de empresas e a exploração da morosidade judicial.

A falta de um arcabouço legal abrangente e eficaz dificulta a punição dos devedores contumazes e perpetua a impunidade. A morosidade dos processos judiciais permite que esses agentes continuem operando livremente, acumulando dívidas e prejudicando a concorrência leal. Além disso, a fragmentação da legislação tributária e a falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo dificultam a fiscalização e a cobrança dos impostos devidos.

O PLP 164/2022: Uma Nova Esperança para o Setor

Diante desse cenário, a proposta de um arcabouço federal para combater o devedor contumaz no setor de combustíveis surge como uma iniciativa promissora. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2022, que já foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado e atualmente tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da mesma casa legislativa, busca suprir as lacunas existentes na legislação e fortalecer o combate à sonegação fiscal.

O substitutivo apresentado pelo relator, Senador Veneziano do Rêgo, define critérios claros para o enquadramento da prática devedora contumaz. Para ser considerado como tal, o agente econômico deve, cumulativamente: (i) deixar de recolher tributos por quatro períodos consecutivos ou seis alternados em doze meses; (ii) possuir débitos tributários acima de R$ 15 milhões ou superiores a 30% do faturamento do ano anterior (com valor igual ou superior a R$ 1 milhão); e (iii) não contar com justificativa ou garantia, nos termos do projeto.

Sanções e Medidas Propostas no PLP 164/2022

O PLP 164/2022 prevê uma série de sanções para os devedores contumazes, incluindo a exclusão de benefícios fiscais, a vedação à contratação com o poder público e, em casos extremos, a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência. Essas medidas visam punir de forma exemplar os agentes que deliberadamente sonegam impostos e prejudicam a concorrência leal.

O projeto também estabelece um controle especial do recolhimento do tributo, a manutenção de fiscalização ininterrupta no estabelecimento da empresa, admite controle especial na arrecadação e possibilita, via lei própria, a adoção de alíquotas específicas para prevenir desequilíbrios da concorrência. Essas medidas buscam aumentar a eficiência da fiscalização e dificultar a prática da sonegação fiscal.

Futuras Perspectivas

A aprovação e a efetiva implementação do PLP 164/2022 representam um passo importante para o estabelecimento de um mercado de combustíveis mais justo e competitivo. Ao combater a sonegação fiscal e a concorrência desleal, o projeto pode contribuir para o aumento da arrecadação tributária, o fortalecimento da economia e a melhoria da qualidade dos serviços públicos.

Além disso, o combate ao devedor contumaz pode atrair novos investimentos para o setor, gerar empregos e aumentar a segurança do abastecimento de combustíveis. Um mercado mais transparente e regulado, com regras claras e justas para todos os participantes, é fundamental para o desenvolvimento sustentável do setor e para o benefício de toda a sociedade.

Última atualização em 21 de agosto de 2025

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